quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Feliz 2012!

O blog entrará em recesso para as festas e comemorações de final de ano...

Retomamos na 2a quinzena de janeiro de 2012 com novos debates entre as artes, a história e a psicanálise.
Continuem enviando sugestões de livros, peças e filmes para que possamos degustá-los e discutí-los. 

Que muitos brindes sejam feitos nesta virada de ano e que tenhamos muita saúde e alegria para discutir e intervir na vida e na sociedade incluindo os olhos intelectuais, racionais e a vertendo do sujeito do inconsciente, dirigindo as posições no viés de nossos sonhos e projetos! FELIZ 2012! 

A Erva do Rato







Por: Fabiana Ratti 
A Erva do Rato está entre nós. Júlio Bressane, com grande sensibililidade, retrata um casal que se olha, mas, incrivelmente não se vê. Mesmo habitando a mesma casa, dormindo na mesma cama e até utilizando lentes e recursos fotográficos.
Com a poesia e o lirismo que uma obra de arte permite, Alessandra Negrini e Selton Mello retratam, de forma magistral, o quanto existe um vácuo entre o olho biológico e o olhar que inclui o sujeito do inconsciente.

Entre tantas faces que uma obra de arte pode ser olhada, escolho um viés que Lacan aponta no auge de sua discussão psicanalítica: ‘a relação sexual não existe.’ Bressane coloca em seu filme a radicalidade desta máxima, porém, não tenhamos ilusões. Nem Lacan e nem Bressane estão discutindo o ato sexual em si. Os dois, um na psicanálise, o outro na arte, se esforçam para transmitir a dificuldade que existe num verdadeiro encontro.

Estar com o outro, encontrar, ver, escutar... não significa apenas dois corpos biológicos se posicionarem frente a frente ou penetrarem um no outro através de seus orifícios.
A erva do rato está nas ruas, entre as multidões e na solidão dos lares. A erva do rato entra em nossos consultórios de forma devastadora. Corroendo, triturando e destruindo. É como o cupim. Corrói aos poucos, lentamente e, de repente, quando se dá conta, toda uma construção desaba...

São assim muitos e muitos relacionamentos. Ao assistir a obra, podemos ter aquele impacto: ‘que horror’, ‘só em filme’, ‘que coisa estranha!’. Mas Bressane captura algo absolutamente humano... e como diria Vinícius de Moraes: “A vida é a arte do encontro embora haja tanto desencontro pela vida.” E o que vemos no consultório de psicanálise são muitos desencontros. Muitas fraturas gratuitas. Agressões, desgastes, ignorância. Fenomenologicamente podem agir de forma diferente do casal do filme, pois este era silencioso, amável e respeitoso. Porém, em sua essência, existe uma ‘não relação’, um monólogo interior, dois organismos que psiquicamente estão desvinculados. Até existe um esboço, um vislumbre de um desejo por parte da moça. Mas, e a atitude? O posicionamento? Parece não haver energia psíquica, força suficiente para chegar até o outro e batalhar por seu desejo. É efêmero. E passa...

É a moça, mas parece que podia ser qualquer outro objeto. Uma caveira, por exemplo. O outro não existe. Existe a masturbação. O próprio prazer. A satisfação das vontades imediatas.

A psicanálise visa o desejo. Porém, se o desejo é de fato desejo, ele inclui trabalho, estudo, esforço, construção, diálogo, ligação. Freud já disse em 1920, existe o para além do princípio do prazer... Existe algo além que pode ser destrutivo e corrosivo, mas por outro lado, pode ser algo especial, que constrói, liga as pessoas e gera vida! Duas posições radicalmente diferentes frente ao outro. Para a psicanálise, é possível a vida ser a arte do encontro, da construção e da vida! Porém, é um perigo se deixar corroer inerte pela erva do rato... 

Diretor: Júlio Bressane
Elenco: Selton Mello, Alessandra Negrini.
Produção: Marcello Maia, Bruno Safadi
Roteiro: Júlio Bressane, Rosa Dias, baseado nos contos A Causa Secreta e Um Esqueleto, de Machado de Assis
Ano: 2008
País: Brasil
Gênero: Drama


terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Martha





Por: Fabiana Ratti


Martha, filme de 1974, dirigido por Rainer Wener Fassbinder mostra o encontro e união de um casal. Uma união que, para quem olha, pode parecer algo que só acontece na tela de cinema, mas penso que este tipo de união é até mais comum do que supomos.

Fassbinder faz, no começo do filme, um jogo de câmeras inédito no cinema. O casal troca um 1º olhar em Roma com câmeras girando em 360º, e depois, coincidentemente, são apresentados numa reunião de amigos em sua cidade alemã. Amor a 1ª vista? Era para ser?

Ao longo do filme, parece que Martha está hipnotizada, inerte às situações. Ela percebe algumas esquisitices, acha estranho, tem algumas repulsas com cenas de vômitos... mas parece que ela não tem saída, que a união com Helmut Salomon é seu único caminho possível.

Na lua de mel, os dois vão para o sul da Itália. É um casal silencioso. No passeio demonstram não ter intimidade.  Fassbinder cria uma atmosfera com ligeira tensão no ar. Quase como um filme de suspense, como se fosse acontecer alguma coisa a qualquer momento. Tomam banho de sol cada um na sua. Martha fica com a pele vermelha como quem não está acostumada ao sol forte e, com isto, Fassbinder apresenta uma primeira cena assustadora. Salomon convoca Martha ao sexo com rispidez e, ela com sua pele frágil e ardida queimada de sol demonstra as dores de ser firmemente pega num momento em que a pele não poderia ser nem tocada. Salomon, por outro lado, demonstra uma efusividade jamais encontrada em toda a lua de mel. Que alegria tamanha era aquela? Por que Martha não brigou, não se posicionou? Esta é a pergunta que perdura durante todo o filme e a interrogação que nos colocamos diante de alguns casais.

Um segundo momento tenso é a questão que ele falava para que ela parasse de trabalhar e ela dizia que trabalhava na biblioteca por um tempo, que gostava muito, que era seu cotidiano. Chegou um belo dia em que ele enviou sua carta de demissão. Ela chegou ao trabalho e a instituição a informou que haviam aceito a carta de demissão. Como assim? Como a vontade de um sobrepuja o desejo do outro? Que consideração que este marido tem para com a vida e os desejos da esposa?

Fassbinder narra este dilema com primor! Seguem cenas e cenas com atmosferas tensas permeadas com carinhos e relações cotidianas de casal. Martha se assusta. Existe algo que ela estranha, que ela suspeita. Mas, o que a faz não interpela-lo? O que a faz não enfrenta-lo? Medo, insegurança? Solidão? (Seu pai é falecido e a mãe estava num asilo).Falta de outras perspectivas para uma mulher da época?

Fassbinder apresenta assim o clássico casal sádico-masoquista. Todo sádico, toda pessoa que se relaciona de forma a agredir a outra, precisa de um ser que tenha uma vulnerabilidade para ser agredido. Existe um pacto. Miller, psicanalista pós-lacaniano, discute o conceito de parceiro-sintoma. O casal faz uma dupla sintomática. Muitas vezes, tendemos a colocar o sádico como vilão e o masoquista como mocinho, coitado... A questão é: por que não enfrenta? Porque não se posiciona? Existe algo do aparelho psíquico que mantém aquela relação, por algum motivo, particular do sujeito. Para a psicanálise, os dois são responsáveis.

Fassbinder percebe que não é um jogo de vilão e mocinho e coloca um terceiro na jogada. Um amigo de Martha que fica penalizado com a situação e tenta ajuda-la, e tem um fim trágico. Será que as queixas para o amigo são tão inofensivas? Não é apenas o sadismo de Salomão, mas também a falta de posição de Martha que também traz conseqüências nefastas e avassaladoras para si e para aquele que está em volta.

Marta e Salomão não conseguem ser um casal. Não conseguem ser parceiros. Conseguem apenas ter uma satisfação outra: de posse, de servidão, de submissão, etc. Mas nunca de sujeito desejante, que deveria ser a mola propulsora de uma relação.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

O Misantropo




Por: Fabiana Ratti 

O Misantropo, peça escrita por Molière (1622 – 1673) dramaturgo francês, ator e encenador. Nesta peça de 1666 Molière descreve um personagem chamado Alceste que, como o próprio nome da peça diz, é um misantropo, uma pessoa que não aguenta conviver em sociedade, que se cansa das outras pessoas e prefere ficar só a ter de se inserir na convivência social. O argumento de Alceste é que as pessoas não são verdadeiras, se preocupam com besteiras e fazem semblantes o tempo todo. Molière, como em sua obra, faz uma crítica à sociedade burguesa que vive de aparências. Mas, além disso, discute como seria a sociedade se fosse montada no ‘faça como quiser’, como bem entender, sem se preocupar uns com os outros, somente com as pulsões instantâneas verdadeiras e efêmeras. Alceste está apaixonado por Celimène, que, paradoxalmente, defende as regras e as boas maneiras para a boa inserção na sociedade. A peça se desenrola no diálogo entre os dois e os amigos articulando esse debate.

E a psicanálise? Qual posição toma?

Freud parte do princípio de que o ser humano nasce um animalzinho, puro instinto, mas logo nos primeiros momentos já se defronta com a cultura: as vestimentas, a linguagem, os horários para dormir, etc. Assim, passa a ter pulsão que é a confluência do instinto biológico, do aparato psíquico e da inserção na cultura. 

Por muito tempo, alguns leitores de Freud, assim como Alceste, interpretavam a cultura como sendo um horror. Algo imperativo, impositivo que fere a liberdade pessoal reprimindo o sujeito e esta seria a causa de traumas, males e doenças. Alguns da sociedade optaram por uma educação liberal, sem muitos limites ou confrontações. Até que ponto, algumas dificuldades sociais que hoje temos com as drogas, com as irresponsabilidades de álcool ao volante ou mesmo da gravidez na adolescência não teriam relação com este tipo de pensamento?

Em “Mal-estar na civilização” (1920) Freud coloca o quanto existe um mal estar para viver em sociedade, pois não podemos, o tempo todo, falar e fazer o que queremos e como queremos porque existe a liberdade do outro, a privacidade do outro, as leis e as regras para o bom convívio na sociedade.

Lacan defende a idéia de ‘laço social’, um ser humano capaz de fazer laços sociais das mais diferentes formas: entre amigos, colegas, amores, família, é um sujeito que tem maior possibilidade de sorver a vida. Não precisamos ser hipócrita como Alceste condena, mas não é por isso que deixamos de cumprimentar com educação pessoas que não amamos. Existem formas de falar e construir relações sem cair na hipocrisia ou na solidão da ingênua ‘sinceridade’.

Molière, gênio da comédia, mesmo escrevendo em 1666 é, como toda boa obra de arte, sempre uma discussão atual!   



segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Um, Nenhum e Cem Mil




Por: Fabiana Ratti 
Um, Nenhum e Cem Mil, escrito pelo italiano Luigi Pirandello (1867-1936) retrata sentimentos e sensações pela busca de identidade de Vitangelo Moscarda, protagonista do romance. Pirandello tem grande capacidade em sua escrita de apontar o inconsciente, o sujeito dividido em si próprio e o Outro, os pensamentos e sentimentos dos personagens e a avaliação de fora, da sociedade. Para responder a isso, Lacan lança mão do constructo teórico da Banda de Moebius dizendo que o inconsciente, não é ‘in’, não está dentro, ele permeia o sujeito de fora para dentro e de dentro para fora, de um a nenhum a cem mil... vamos deixar a teoria e ir aos artistas que expressam esta evidência com maestria:

‘Sim, aí está o nó do problema,’ – pensava – ‘Cada um quer impor aos outros o mundo que tem dentro de si, como se fosse algo externo, de modo que todos o devam ver daquele modo, sendo apenas aquilo que ele vê.’ (...) fazendo com que se aceitem aquele sentido e aquele valor que eles dão a si mesmos, aos outros, às coisas, de tal forma que todos vejam e sintam, pensem e falem à maneira deles.’  p.120

‘Eles se iludem porque a verdade é que, no fim das contas, meu caro, não conseguem impor mais do que palavras. Palavras, entende? Palavras que cada um assimila e repete a seu modo. (...) Mas então me responda: como se pode ficar tranqüilo sabendo que há alguém que faz de tudo para persuadir os outros de que você é como ele o vê, alguém que se esfalfa para que os outros o estimem segundo o juízo que ele fez de você, impedindo que os outros o vejam e julguem de outro modo?’ p.121

‘Sempre nos parece que os outros estão enganados, que uma dada forma ou um dado ato não é exatamente isto ou não é assim. Mas, inevitavelmente, pouco depois, se nos deslocamos um pouco de nossa posição, nos damos conta de que nós também nos enganamos, de que não é isto e não é assim. De modo que, ao final, somos constrangido a reconhecer que não será nunca nem isto nem assim, de nenhum modo estável ou seguro, mas ora de um modo, ora de outro, e todos a um certo ponto nos parecerão equivocados, ou todos corretos, o que dá no mesmo, porque uma realidade não foi feita e não é, devemos fazê-la nós mesmos, se quisermos ser; e jamais será una para todos, uma para sempre, mas infinita e continuamente mutável. A capacidade de nos iludirmos de que a realidade de hoje é a única verdadeira, se de um lado nos ampara, de outro nos precipita num vazio sem fim, porque a realidade de hoje está fadada a se revelar a ilusão de amanhã. E a vida não se ajusta. Não se pode ajustar. Se amanhã se ajustar, estará acabada.’ p.91 
 
O inconsciente deixa de ser dividido em inconsciente, pré-consciente e consciente, ou id, ego e superego... o inconsciente é ‘como se fosse’ uma banda de Moebius... não tem fora, não tem dentro e assim nos perdemos entre o eu e os outros, entre o fora e o dentro... acompanhe a formiguinha da banda de Moebius criada por Escher (ao lado) e veja como ela vai caminhando e uma hora está dentro e outra hora está fora... daí vem a dificuldade do ser humano em se singularizar e lutar por seus projetos, sem se perder na imensidão profunda de objetos e demandas, internas e externas, nas sensações, impressões e loucuras que assolam o sujeito.

 Livro:Um, Nenhum e Cem Mil
Escritor: Luigi Pirandello
Tradução de Maurício Santana Dias
Editora: Cosac & Naif; 229 páginas

sábado, 19 de novembro de 2011

O primeiro que disse






Por: Fabiana Ratti


“O primeiro que disse” é um filme italiano que se passa em Lecce, cidade histórica no sul da Itália. Basicamente o enredo se trata de um filho, Tommaso (Riccardo Scamarcio), que reúne forças para assumir a homossexualidade perante a família em um jantar e é surpreendido pelo irmão Antônio (Alessandro Preziosi) que se antecipa e, revela a sua própria homossexualidade. Há um alvoroço na família. O pai o expulsa e em seguida é acometido por um ataque cardíaco. Diante da situação, Tommaso se vê enredado pela família, sente-se responsável em cuidar do pai, assumir os negócios da família, mesmo não tendo o menor jeito para os negócios e se responsabiliza em passar um tempo até que tudo fique mais calmo, mesmo tendo que deixar seu namorado, amigos e sua vida em Roma onde estudava.

O mais interessante do filme, no meu ponto de vista, é que  Ferzan Ozpetek, diretor turco radicado na Itália, consegue transmitir, através da família Cantone, o quanto o ser humano vive em amarras imaginárias, abrindo mão de sua posição, de sua natureza em prol do Outro. Outro escrito com maiúsculo pois é um Outro da própria cabeça, construído ao longo de gerações por regras, hábitos e normas que são tão arraigados e fortes que não se sabe porque se repete, mas se repete com orgulho e a satisfação maior não é pela realização dos fatos em si, mas pela realização imaginária do olhar comprovador desse Outro hipotético e fantasmático que assombra e controla.

Trocando em miúdos. Após a cena bombástica da revelação de Antônio, Ozpetek vai, sutilmente, mostrando como cada um da família tem algo precioso guardado no armário. Como cada um vive em função de manter as aparências, em ser bem visto na família e na pequena cidade, ou seja, no olhar desses Outros e, abrem mão de seus sonhos e estilo de vida para ficarem como fantoches representando um papel e falando mal dos outros. Bebem de seu próprio veneno e não se dão conta. Por exemplo: o pai   Vincenzo, muito bem interpretado por Ennio Fantastichini, tem uma amante, tanto ele quanto a mulher ‘fingem’ isso não acontecer, a avó, ao que dá a entender, sofre até os dias atuais por ter desejado se casar com um e ter aceito casar-se com outro, Tommaso, além da questão sexual, deseja ser escritor, freqüentou faculdade de letras dizendo ser de economia e em todos os anos de estudo não abriu o jogo com os pais.

Estes são alguns exemplos, mas o filme é repleto desta discussão, nem o genro Napolitano o pai aceita muito. Ou seja, existe uma norma, um padrão, uma linha reta utópica e tudo que sai fora dessa risca é motivo de piada, de chacota, não deveria existir. Realmente muito difícil viver dessa forma. É a representação perfeita de uma família italiana tradicional, mas é também uma crítica a esse mecanismo psíquico humano que paga um preço absurdo por estar nas ‘regras’; vive como um fantoche da vida executando o desejo de Outros, reproduz as rivalidades e piadas e nunca banca sua verdadeira posição. As conseqüências são as apresentadas no filme, uma senhora que passou a vida toda sonhando com o possível candidato a casamento, uma alcoólatra e assim por diante. Muitas vezes, é desta forma que a sociedade vai sendo construída... mas não adianta acusar a família ou a sociedade, Ozpetek é bastante firme em sua posição, é preciso o posicionamento do sujeito se não, ele é co-responsável com a opressão que ele mesmo se coloca. 

Nome Original: Mine Vaganti
Direção: Ferzan Ozpetek
Duração: 110 minutos
Ano: 2010
País: Itália
Gênero: Comédia

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Dois irmãos





Belo filme, de grande sensibilidade na discussão das relações humanas. É um filme simples. Trata-se de dois irmãos: Marcos (Antonio Gazalla) e Suzana (Graciela Borges), cuja mãe faleceu e eles precisavam decidir e direcionar a vida deles a partir daquele momento da meia idade.

Como psicanalista, podemos ver que, nenhum dos dois irmãos batalhou por um projeto. Nenhum dos dois se realizava no trabalho, nenhum dos dois constituiu família, nenhum dos dois estabeleceu relações mais fortes de amizade, haja visto o enterro da mãe que estava vazio e um outro exemplo é o fato deles poderem se mudar de cidade sem nenhuma grande suscetibilidade em suas vidas.  Não estabeleceram laços, não fizeram vínculos. Não batalharam arduamente por algo singular, o que os deixava solitários e inertes pela vida.

Havia uma diferença forte entre os dois: Marcos era gentil, calmo e doce nas palavras. Suzana era arisca, mandona e grossa, o que leva o expectador a um engodo maniqueísta de que ela é má e ele bom. Mas são apenas fenômenos, apenas uma casca, no fundo, no nível das pulsões, ambos tinham muitas dificuldades em nomear e batalhar por seus desejos.

Suzana era controladora. Organizava tudo como queria, fazia o que bem entendia, ignorava o outro e dizia para o irmão que este ainda tinha de ficar feliz pois, se não fosse ela, ele não teria nada nem ninguém.

Marcos, submetido aos caprichos e ao temperamento da irmã, não se posicionava, não se defendia, não batalhava por outro modo de relacionar-se no e com o mundo.

Esta forma de relacionamento é muito usual. Entre entes da mesma família, entre amigos, entre casais, na relação professor-aluno, etc. O filme tem frases ontológicas que demonstram a realidade de pessoas que ‘não se encontraram’ (como usualmente é dito) e assim, ‘precisam’ controlar o outro, como forma de elevar o próprio ‘ego’ e, na relação dual, na mesquinharia, poder elevar-se e não se dar conta das próprias mazelas e de tudo o que é preciso batalhar para se ter uma vida digna. Isto é perceptível quando Suzana reencontra uma velha amiga e esta faz elogios rasgados a seu irmão, Suzana pensa estarem falando de pessoas distintas. Aquele que controla tem necessidade de rebaixar o outro para que assim, no efeito gangorra, possa sentir-se elevado, porém é um efeito de pura satisfação imaginária. Não traz benefícios realmente produtivos para nenhum dos dois membros.

O Filme de Daniel Burman consegue fazer a virada. Marcos não se sujeita mais à ordem da irmã e começa a lutar por sua vida. Num primeiro momento, traz grande sofrimento para a irmã, mas depois, os dois percebem que é a única forma de realmente existirem, um reconhecer o outro como distinto e separado e cada qual batalhar por seus projetos, numa outra forma de união.   

  • Categoria:filme
  • Gênero:dram
  • País / Ano: Argentina / 2010
  • Duração: 105 minutos
  • Direção: Daniel Burman
  • Elenco: Graciela Borges, Antonio Gasalla

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Um Homem e uma mulher




Por: Fabiana Ratti


Vamos a um filme de amor. Um clássico dos anos 60: Um Homem e uma mulher. Um belíssimo filme Francês dirigido por Claude Lelouch, narra o romance entre o piloto de corridas Jean-Louis Duroc e Anne Gauthier. Os dois têm os filhos no mesmo colégio interno e se encontram nos finais de semana, dia de visita. Ambos têm a particularidade de, mesmo jovens, serem viúvos recentes. Um dia Anne perde o trem que a leva de volta a casa e Jean-Louis lhe dá uma carona. Começa assim uma paquera e futuramente um romance.

As sequências acompanham aquela expectativa plácida dos primeiros momentos de um casal: um olhar, um gesto, um beijo. Lelouch soube capturar as ansiedades, os medos e as emoções que duas pessoas que estão começando um romance sentem, sobretudo, duas pessoas já acometidas por uma tragédia pessoal do falecimento de seus respectivos companheiros. Os atores transmitem grande sensibilidade, através de excelentes interpretações e expressam uma frase, também clássica, de Sigmund Freud “...as pessoas nunca abandonam de bom grado uma posição libidinal, nem mesmo, na realidade, quando um substituto já se lhes acena.” O grande impedimento para que o romance seja viabilizado é que o aparelho psíquico ainda investe, fica ligado nas cenas e emoções do passado, do ente querido, não havendo espaço, naquele momento, para o investimento na realidade presente.

Ao assistir ao filme, vi uma entrevista com o cineasta que descrevia as dificuldades e as situações inusitadas que aconteceram durante a filmagem e uma frase me chamou a atenção. Ele disse que queria filmar a sensação de “faire l'amour tout seule”, pois não existia algo pior do que ‘fazer amor sozinho’. Estar biologicamente no ato, não significa que a pessoa está numa posição de investimento libidinal naquele ato. E, isto, Lelouch e seus grandes intérpretes conseguiram capturar com maestria, trazendo a baila esta evidência clínica freudiana: o quanto o ser humano fica ligado em fantasias e emoções nostálgicas, de um passado que não tem como se tornar presente e deixa de usufruir, saborear e investir em oportunidades presentes que poderiam construir um belo futuro. Uma situação clássica das relações humanas!

Un Homme et Une Femme
Drama/
FRA/1966
Direção: Claude Lelouch
Elenco :
Anouk Aimée -  Anne Gauthier
Jean-L.Trintignant  -
Jean-Louis Duroc



quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Teorema





Por: Fabiana Ratti 

Teorema, filme de 1968 de Pier Paolo Pasolini, além de ser aclamado entre os cinéfilos pela crítica às instituições italianas, podemos dizer que, do ponto de vista da psicanálise, ele é muito interessante! O filme captura e transmite o forte poder das pulsões.

Entre tantos textos, Freud discute as pulsões em “Pulsões e suas vicissitudes” e diz que estas se localizam no limite entre o psíquico e o somático, ou seja, a pulsão está entre o corpo e as paixões da alma. Diferentemente do mundo animal que é marcado pelos instintos, pelas vísceras que delimitam terrenos, lutam por suas presas, por alimento e por descanso. No ser humano, sua sexualidade, desejos e vontades partem do mais profundo abismo interior e são marcados pelo mundo da cultura, da linguagem. Porém, o ser humano, de uma forma geral, não quer saber das regras, das leis, das marcas e limites que a sociedade constrói para que possamos nos relacionar uns com os outros.

Ao contrário, o ser humano, muitas vezes, vai em busca da plenitude. De satisfação das pulsões. Da plenitude narcísica. Não quer ver as marcas de impossibilidades que faz com que a família e a sociedade se organizem e funcionem.

O filme, de maneira contundente, aponta o que Freud apresentou no começo do século passado: o ser humano é um ser marcado pela sexualidade e de tudo é possível se satisfazer. Todas as formas de satisfações são possíveis. E, Pasolini retrata este imperativo das pulsões de maneira absoluta. Como psicanalista, ouço muito no consultório a questão de: quero prazer e satisfação a todo minuto de qualquer maneira, não importando os riscos, as consequências e as dores posteriores A satisfação pode ser em fazer algo ou por não fazer, por deixar de fazer.
Pasolini, através de seus personagens, mostra a busca de satisfação a todo instante. A satisfação com a futilidade, com o comodismo, com a alienação da burguesia, com a sexualidade.
Até mesmo a alucinação de uma santa reporta à demanda de satisfação. Quem não deseja a satisfação de um ser que já faleceu voltar para conversar com você e realizar seus desejos? Ou mesmo uma santa, descer e iluminar o seu caminho? Por que não o de outra pessoa? Porque existe ali um ser ‘pleno’, um ser que merece a descida da santa. Um ser iluminado. Diferente dos outros.
A busca de satisfação a todo custo impinge este sentimento narcísico de exclusividade e regalia, perto de outros seres humanos, reles mortais, que têm um custo a pagar por seus desejos, projetos e sonhos. Paga-se um custo e chega-se a uma realização. Pasolini apresenta personagens que não querem se haver com seus custos e preços a pagar perante as pessoas e a sociedade, mas tamém ficam seres sem desejo, sem sonhos. São apenas seres que deixam a vida correr, sonâmbulos que buscam o máximo de satisfação possível. E, ok. Todas as formas de satisfação são possíveis! Pasolini comprova isto: a satisfação dos prazeres é ilimitada. Vale conferir.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Redentor



Por: Fabiana Ratti


Podemos dizer que Redentor, filme de 2004, dirigido por Cláudio Torres, é divido em dois: uma primeira parte bem realista e uma segunda absolutamente surrealista. Esta segunda parte torna o filme inusitado e de um drama, Cláudio Torres consegue fazer fortes pitadas de humor e ainda viabilizar o sonho de todo brasileiro: fazer o corrupto pagar e devolver seu roubo. ‘Surreal’, certo?

Célio Rocha (Pedro Cardoso) é um repórter carioca e precisa fazer a cobertura de um escândalo imobiliário, a questão é que Otávio Sabóia (Miguel Falabella) era seu amigo de infância e filho do empreiteiro corrupto que se suicidara, além do fato de que o pai, Dr. Sabóia, também ter aplicado a falcatrua imobiliária com os próprios pais de Célio. 

Na década de 70, a Barra da Tijuca no Rio de Janeiro, ainda era uma área a ser explorada e o Dr. Sabóia lançou o ‘condomínio Paraíso’, entre tantos que estavam sendo lançados no local. Amigos, Célio e Otávio, o primeiro conheceu a maquete e através da empolgação do filho, os pais decidiram comprar um apartamento, o número 808. Mal sabiam eles que o mesmo estava sendo vendido para outras famílias e que o empreendimento nunca ficaria pronto. Colapso na família de Célio e a culpa por não ver seu pai de classe média, honesto trabalhador, nunca ter podido realizar seu sonho de um apartamento frente ao mar, mesmo tendo pago caro por ele.

Estas situações em nosso país são reais, cotidianas e em grande quantidade: quanto não pagamos por algo que não vemos e nunca teremos o retorno?

Lendo Thompson, historiador britânico, podemos ver que há uma defasagem entre o que ele pensa, o que seria um padrão aceitável de nível de corrupção e algo que extrapola os limites do aceitável: “Estamos habituados a pensar na exploração como algo que ocorre em nível rasteiro, no estágio da produção. No início do século XVIII, a riqueza era criada nesse nível inferior, mas logo se elevou para regiões mais altas, acumulada em grandes nacos, e os lucros seriam obtidos na distribuição, monopolização e venda de mercadorias (...) na manipulação do crédito e na capacidade de apoderar-se dos cargos do Estado.” (1991, p. 34) “Foi uma fase predatória de capitalismo agrário e comercial, e o próprio Estado estava entre os principais objetos de rapina.” Thompson fala de uma fase pré-revolução industrial e diz indignado, que tudo podia ser comprado com dinheiro: direito de uso, privilégios, liberdades, serviços, votos. Não existiam leis, o dinheiro dava as cartas. Utiliza a expressão: “A velha corrupção” – “se a corrupção é percebida, faz-se vistas grossas”, todos roubam, “Nada é inusitado, tudo é incluído nos padrões aceitos pela época” do século XVIII.

Triste percepção de que o Brasil está dois séculos atrasado. Ainda estamos como selvagens, num mundo sem leis, fazendo vistas grossas e deixando a “velha corrupção” ser bastante atual. E os aparelhos psíquicos? Como ficam os investimentos das pessoas honestas para outros, indiscriminadamente, usufruírem do dinheiro e do trabalho destes? Fernando Torres e Fernanda Monte Negro, pais do repórter, encenaram brilhantemente o inconsciente dilacerado ante a violência sofrida. 

Mas, não é só o Redentor que tem seu toque surreal, Thompson também o tem quando interroga: Será que um dia teremos um mundo mais ligado em bens culturais, saúde, educação e relacionamentos em detrimento de bens materiais, do consumismo desvairado e do dinheiro a qualquer custo? Todos temos direito a nossos 5 minutos de utopia e Cláudio Torres o faz com galhardia, ironia e com ótimas interpretações! 

Livro: Costumes em Comum de E.P.Thompson, Cia das Letras, 1991
Filme: Redentor
Diretor: Cláudio Torres
Elenco: Pedro Cardoso, Miguel Falabella, Stênio Garcia, Camila Pitanga, Fernanda Montenegro, Fernando Torres, Enrique Diaz, Jean-Pierre Noher, Mauro Mendonça, Tony Tornado, Lúcio Mauro, Paulo Goulart, José Wilker, Fernanda Torres.
Produção: Cláudio Torres, Leonardo Monteiro de Barros
Roteiro: Elena Soárez, Fernanda Torres, Cláudio Torres
Fotografia: Ralph Strelow
Trilha Sonora: Maurício Tagliari, Luca Raele

terça-feira, 18 de outubro de 2011

O Concerto





Por: Fabiana Ratti 

Com muita graça, leveza e diversão, o Concerto do cineasta Radu Mihaileanu, narra a trajetória de Andrei Filipov (Aleksey Guskov) exímio e talentoso maestro russo que perde seu posto e fica trabalhando de faxineiro para o Teatro Bolshoi. Um dia, após anos de humilhação, intercepta um fax e faz deste acaso uma oportunidade para refazer seu nome ou, pelo menos, ter um momento de glória, usufruindo de sua cultura, de seu talento e de seus colegas e amigos da ‘velha guarda’, numa apresentação em Paris.

Andrei tem 15 dias para montar a orquestra e negociar todos os detalhes para a apresentação: de passaportes e roupas à perfeita harmonia do som. Ao longo, o filme vai  mostrando as misérias vividas pelos soviéticos, sobretudo, o quanto foi preciso abandonar o sonho da música. Andrei passou anos distante de seu desejo, sem exercitar seu talento musical, assim como, cada músico angariado ao longo do caminho, mostra um fragmento desse ‘tempo perdido que os anos não trazem mais’.

Podemos dizer que O Concerto é um filme que se pauta no sonho. No sonho de realização de um talento. Aponta como é cruel um mundo em que é decretado que alguém, por sua raça, sua cor ou sua condição, não têm direito à vida, a seus sonhos... a executar e a realizar seus talentos profissionais e artísticos. O filme toca em questões profundas a respeito da exclusão de pessoas e religiões e vai mostrando uma série de talentosos músicos exilados de sua profissão como conseqüência de reformas políticas e econômicas de seu país.      

E, vai além...

Quem estuda teatro, cinema, literatura, as artes em geral, costuma dizer que não importa o que é contado mas como é narrado, de que forma, com quais nuances. O Concerto, traz ao fundo de sua narrativa, também uma discussão secular: qual a origem? Quais os verdadeiros pais? Qual a história oficial? Esta interrogação é feita pelo texto mais lido e estudado pelo mundo da psicanálise: Édipo Rei de Sófocles, que pode ter suas nuances e particularidades, mas discute, essencialmente, a cegueira de Édipo frente a seus progenitores.

Este é um tema que prende a atenção e emociona. É narrado das mais diferentes formas ao longo da história, podemos até citar, entre tantos, o clássico Star Wars de George Lucas, com suas disputas de poder e efeitos especiais, o núcleo central, o grande suspense final é marcado pelo desconhecimento de Luke Skywalker por sua verdeira origem paterna.   

Pode parecer estranho aos olhos racionais, mas na vida real essas aventuras e desventuras se repetem, é muito comum a omissão ou mesmo as histórias gongóricas e rebuscadas que ofuscam a história oficial marcada, muitas vezes, por intrigas e traições,  temores, jogos de poder, arroubos amorosos ou simplesmente por uma versão inicial que não é mudada ao longo da vida, mas que marcam de maneira substancial a vida de um filho.

Radu Mihaileanu consegue, pela comédia, discutir pólos densos e sérios: a questão da origem de uma pessoa e a questão de uma sociedade que mutila vidas, talentos e sonhos e o sofrimento que é quando um passa a ser conseqüência do outro. Não percam!

sábado, 8 de outubro de 2011

A História Oficial




Por: Fabiana Ratti


Continuando na linha latino-americana... A Hitória Oficial é um drama argentino de 1985, escrito e dirigido por Luis Puenzo. O filme mostra, de maneira assumbrosa, a força e o poder que o inconsciente exerce sobre a vida de uma pessoa, chegando a cega-la em seus valores mais íntegros.

Alícia, muito bem interpretada por Norma Aleandro, é uma mulher de classe média, casada com Roberto (Héctor Alterio) também excelente em seu papel. Alícia é contemporânea ao regime militar que assolou o país de 1976 a 1983 e, Luis Puenzo faz uma armadilha: Ela é professora de história e, paradoxalmente é alienada, ‘não sabe’ das atrocidades que aconteciam durante a ditadura de seu país.

Seria isto possível? É possível encontrar críticos que dizem isto ser um erro de roteiro. Muito ao contrário, isto que torna original o premiado filme A História Oficial. Em função do que estaria esta cegueira? Como uma professora de história não sabe das conseqüências de uma posição política de seu país? O inconsciente provoca resistências para não ver, quando ele precisa acobertar algo ainda mais precioso. E Puenzo vai mostrando isto no decorrer do filme. Mostra quando Alicia tem seu primeiro lampejo, seu primeiro ‘insight’ de que algo estava estranho, algo estava errado em sua casa. Um primeiro momento em que se dispõe a ver e a ouvir sobre a ditadura através da fala de uma amiga próxima.

O inconsciente é assim. Podem muitos falar, comentar, sair na televisão, etc. Mas existe um momento em que ‘cai a ficha’, que uma ‘outra cena’ surge e não há mais como conter, não há como voltar atrás... E é isto que é patente com Alicia. A partir de um momento, ela se abre para um ‘querer saber’. Por entre episódios políticos como a manifestação das Mães da Praça de Maio e religiosos como a interrogação da posição da igreja a respeito das torturas e consequencias da ditadura, Alícia busca a história oficial de sua família com belas e fortes cenas com discussões sérias e profundas.  

De longe um filme belíssimo que retrata o preço que o ser humano paga para não precisar ver e não mexer em questões afetivas passando a ser, conivente com o regime, usufruindo de sua insensatez, fomentando em sua própria casa personagens ativos de uma posição que não compartilha e contribuindo silenciosamente para com um sofrimento que racionalmente, de nenhuma forma, gostaria de contribuir. Como diz Freud “Não somos senhores em nossa própria casa”. Um filme que merece ser apreciado! 

Diretor: Luis Puenzo
Elenco: Héctor Alterio, Norma Aleandro, Chela Ruiz, Chunchuna Villafane, Hugo Arana.
Produção: Marcelo Piñeyro
Roteiro: Aída Bortnik, Luis Puenzo
Fotografia: Felix Monti
Trilha Sonora: Atilio Stampone
Duração: 112 min.
Ano: 1985
País: Argentina
Gênero: Drama




sábado, 1 de outubro de 2011

Um Conto Chinês

Por Laís O.

A relação entre um argentino antipático e um chinês perdido é o mote da trama "Um Conto Chinês" que se passa em Buenos Aires. Vivendo sozinho e solitário na antiga casa de seus pais, Roberto (Darín) parece não perceber a monotonia da sua vida fadada à repetição de problemas pequenos do cotidiano. Fugindo de uma decepção amorosa, Jun (gnacio Huang) vai até a argentina buscar seus possíveis parentes. O inusitado faz parte desta aventura já que a noiva de Jun havia sido morta na China por uma vaca que caiu de um avião pilotado por ladrões. 
O encontro de pessoas tão diferentes, que falam inclusive em linguas opostas, traz uma estabilização para a vida de ambos. Nesta convivência pacata, ambos esperam que a família de Jun apareça para salvá-lo. Jun passa a "ajudar" Roberto em sua loja de ferramentos, a fazer todas as refeições com ele e a compartilhar o mesmo espaço. O argentino não tinha companhia em sua casa desde a morte do pai em sua adolescência. O estranho chinês muda a rotina dos seus hábitos causando, num primeiro momento, um grande desconforto.
Roberto não dá abertura nenhuma para que ninguém entre em sua vida, e isso deixa o público ansioso. O chinês se mostra sempre solicito e muito agradecido pela hospedagem, mas parece não entender o quanto seu colega é rabugento e infeliz. Quando conhece Jun, o argentino parece começar a se importar com alguém que está desabrigado e perdido numa terra estranha. Talvez tenha sido o gosto por colecionar notícias de jornais do mundo todo que lhe parecessem bizarras que o tivesse feito mergulhar nesta mudança. O gosto pelo excêntrico para Roberto era uma maneira de se afastar da chatice do seu cotidiano e mostrar para si mesmo que a vida é feito de estranhos acasos.
Dirigida por Sebastián Borensztein "Um Conto Chinês" é um filme divertido e inteligente que dá destaque cada vez mais para a cinematografia argentina.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Saneamento Básico



Por: Fabiana Ratti 

Saneamento Básico, de Jorge Furtado, é um interessante retrato brasileiro. Um pequena vila na Serra Gaúcha sofre os efeitos de falta de saneamento básico. É necessária a construção de uma fossa, pois a população sente os odores e a iminência constante de doenças no córrego que passa próximo às casas.

A vila elege uma comissão para ir à sub-prefeitura, a qual será encabeçada pela Marina, personagem de Fernanda Torres. Quando esta chega à secretaria, começa o Brasil entrar em cena: a secretária reconhece a necessidade da fossa mas diz que não existe verba para esta área, apenas para a montagem de um filme de ficção. 

Como todo bom brasileiro, Marina tem uma idéia! Convoca família e amigos para participarem do filme de ficção e assim, ganhar a verba para investir na fossa. O mocinho, a mocinha, o monstro. ‘Estudam’ um pouco sobre ficção, fazem o roteiro. Custeiam com o próprio dinheiro. Ensaios e confusões tornam o filme bem divertido. Eles conseguem chegar no grande dia esperado de receber a premiação.

Criatividade, bom humor, iniciativa e flexibilidade nos relacionamentos interpessoais, elementos fortes da cultura brasileira que são retratados no filme. Porém, Jorge Furtado, que também é o roteirista, aponta o contraste de um Brasil um pouco menos festivo e mais sombrio, quando se trata de atos públicos que possam fazer a diferença para a sociedade. Podemos dizer que, como denuncia o filme, existe um governo ineficaz e muitas limitações burocráticas, mas também é preciso falar das iniciativas particulares, das boas intenções ‘que o inferno está cheio’. Jorge Furtado denuncia o quanto é fácil perder o foco, se comprazer com experiências pessoais e abrir mão de iniciativas que trará um benefício maior para a comunidade.

Assim é o aparelho psiquico. Existem muitos estímulos e Freud diz que a pulsão pode se satisfazer de qualquer coisa, de qualquer estímulo, de qualquer objeto. É preciso muita concentração e exercício para se chegar ao objetivo desejado sem se perder em outras satisfações. 

Saneamento Básico é um exemplo disso. O filme, com muita graça e leveza, com exelentes atores como Wagner Moura, Camila Pitanga, Lázaro Ramos entre outros, consegue levantar um tema muito sério, com todo o gingado brasileiro!


Lançamento: 2007 (Brasil)
Direção e roteiro: Jorge Furtado
Atores:  Fernanda Torres, Wagner Moura, Camila Pitanga, Bruno Garcia.
Duração: 112 min
Gênero: Comédia



segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Soul Kitchen





Por: Fabiana Ratti 

Soul Kitchen, dirigido por Fatih Akin, se passa em Hamburgo na Alemanha. Ao mesmo tempo em que mostra o coração partido do imigrante grego Zinos (Adam Bousdoukos) cuja namorada vai ser modelo fora do país, também mostra outros pontos de sua vida em que a situação não está nada fácil. Zinos possui um galpão que funciona como restaurante. O galpão é bem espaçoso e fica em um terreno amplo, excelente local para as especulações imobiliárias. O especulador (Wotan Wilke Möhring), coincidentemente, é um antigo amigo e, quando Zinos se dá conta, vê que pode perder seu restaurante. Seu ‘amigo’ faz de tudo para que isso aconteça, entre algumas artimanhas, chama a fiscalização sanitária.      

Com o passar do filme, percebemos que Zinos ama aquele espaço. Gosta de gastronomia e de ver aquele espaço movimentado. Mas por que Zinos não cuidou do espaço antes? Por que deixou o espaço sujo, sem investimento, sem melhorias, sem divulgação, etc? Por que só começou a batalhar por ele quando percebeu que iria perde-lo?

Lacan, na década de 70, trabalhou bastante a questão de nomear os objetos e os amores. Podemos conviver, estar próximo ou mesmo ter o objeto mas, se não o nomeamos como ‘nosso amor’, não investimos e não conseguimos cuidar dele, a tal ponto que o perdemos. Muitas vezes, é somente no momento da iminência da perda ou da perda verdadeira que o sujeito se dá conta da falta que faz aquele amor e, somente neste momento, consegue nomeá-lo de amor. Algumas vezes é tarde demais.

Parece que isto acontece com Zinos em vários campos de sua vida: no amor, na vida profissional, financeira, etc. Até parece para o público uma discussão dos ‘mocinhos que têm alma’ mas não sabem lidar com o capitalismo selvagem e de outro o especulador mercenário que faz altas manobras com o poder capitalista. Claro que podemos ver um mau-caratismo no especulador, mas, por outro lado, Zinos também não cuidou de nada que era seu até então. Isto gera conseqüências, dá margem para que outros cuidem e levem embora aquilo que não pode ser cuidado por outrem.

Um belo filme que nos põe a pensar sobre o cuidado que estamos dando para nossos amores... pois, quando Rinos muda seu posicionamento frente ao mundo, percebemos que o ‘destino’ também pode ser alterado!


Director: Fatih Akin

Writers: Fatih Akin e Adam Bousdoukos

Stars: Adam Bousdoukos, Moritz Bleibtreu e Birol Ünel

Ano: 2009

Comédia, 99 min

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Hereafter - Outra vida



Lugui Cardim
E-mail: lggcg@ig.com.br
 People like us routinely long for a meaningful life, while other people need to do this in extremely dramatic circumstances. The former will be the major spectators of Clint Eastwood’s latest film, Hereafter. The latter are its characters.
Three parallel stories are linked by the theme “after-life”: a woman that survives the tsunami in Thailand and cannot deal anymore with her promising career as a journalist, a man that avoids his mediumship because he feels it weighs a ton to live the life of dead people, and a little boy who is devastated by the death of his beloved twin brother.
The plot seems spiritualist. However, I reckon Hereafter is above any religion or philosophy, such as Kerdecism. Even though spirits show an important role as guardians in some scenes, the film prioritizes the dignity of the human drama. The main characters are ultimately gathered and rewarded by a meaningful destiny, but this happens only as a consequence of their commitment to a genuine sorrow.
Depending on our own beliefs, Hereafter can be seen as realistic or far-fetched, but I dare say few of us would be insensitive to this moving film, gently handled by the director and the cast.

Ano: 2010
Duração: 129 mins
Título Original: Hereafter
Diretor: Clint Eastwood
Elenco: Matt Damon, Cécile De France, Frankie McLaren, George McLaren
Produção: Clint Eastwood, Kathleen Kennedy e Robert Lorenz


segunda-feira, 5 de setembro de 2011

O Que Terá Acontecido a Baby Jane?





Por: Fabiana Ratti


O que terá acontecido a Baby Jane? De Robert Aldrich é um maravilhoso clássico de 1962 com Bette Davis (Jane Hudson) e Joan Crawford (Blanche). O filme, vibrante e intenso, trás alguns pontos interessantes a se pensar: Como é ter vivido, na infância, uma época de ouro? Como o aparelho psíquico digere a idéia de ter vivido num mundo de fama e glória, num palco iluminado por entre aplausos e arroubo dos fãs; e depois, passar a ser uma reles mortal, anônima e sem as gracinhas de uma menina de cabelos cacheados?

Dificuldade parecida mostra o filme brasileiro:Quem Matou Pixote?José Joffily narra a trajetória de Fernando Ramos da Silva,  ator principal do premiado filme Pixote, a Lei do Mais Fraco de Hector Babenco que em 1981 se consagrou no papel, mas que, após o filme, volta a viver sua vida na periferia carioca, no meio do crime, da violência e das drogas, falecendo em 1987.

O filme Baby Jane discute que, mesmo não estando numa realidade social tão cruel quanto esteve Fernando Ramos, o quão difícil é para o aparelho psiquico sobreviver a um ‘investimento narcísico’ tão intenso numa primeira fase da vida.

O narcisismo é uma energia psiquica fundamental e central para a formação do aparelho psiquico, para o crescimento do sujeito e a construção da personalidade. Sem esta energia psiquica básica, não há como o sujeito se constituir. Porém, através destes filmes, e de alguns relatos da mídia em relação a pessoas que ficam famosas na infância, e que têm sérias dificuldades no transcorrer da vida adulta, nos aponta o quanto a mesma energia que constitui o sujeito também pode cegá-lo e sufocá-lo a tal ponto que possa vir a destruir sua vida ou a de outros.

Lógico que devemos considerar todos os fatores sociais implicados em relação a Fernando Ramos. O quanto é importante dar um sustentáculo psiquico para o sujeito, não apenas frente às mazelas da vida, mas também frente ao sucesso. Nem sempre é fácil conviver com o sucesso, e, quando este termina, como o inconsciente consegue enfrentar?

Batte Davis e Joan Crawford estão impecáveis em seus papéis. Ambas numa fase em que já não eram mais mocinhas, retratam os horrores da decadência, da mesmice, da ranhetice da velhice e de como é possível ficar absorta entre reminicências de um passado glorioso e a mesmice de um passado não tão recente, porém inóspito, chato, bolorento, intragável. É assim o cotidiano das irmãs.

Porém, o filme vai mais longe. Até que ponto um ser humano pode ir? Até onde ele é capaz de pagar com sua própria carne por inveja? Por ciúme? Por rivalidade? O que ele ganha com isso?

O ser humano paga caro por seus desejos. O investimento em projetos, sonhos e desejos não é barato. Requer esforço, raciocínio, articulações, trabalho. Baby Jane marca também que não lutar por seus sonhos, não batalhar, não investir... também é caro! E muito! 


Direção: Robert Aldrich
Roteiro:Henry Farrell (romance), Lukas Heller (roteiro)
Gênero: Comédia/ Drama /Romance /Terror
Origem: Estados Unidos
Duração: 134 minutos