quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Feliz 2012!

O blog entrará em recesso para as festas e comemorações de final de ano...

Retomamos na 2a quinzena de janeiro de 2012 com novos debates entre as artes, a história e a psicanálise.
Continuem enviando sugestões de livros, peças e filmes para que possamos degustá-los e discutí-los. 

Que muitos brindes sejam feitos nesta virada de ano e que tenhamos muita saúde e alegria para discutir e intervir na vida e na sociedade incluindo os olhos intelectuais, racionais e a vertendo do sujeito do inconsciente, dirigindo as posições no viés de nossos sonhos e projetos! FELIZ 2012! 

A Erva do Rato







Por: Fabiana Ratti 
A Erva do Rato está entre nós. Júlio Bressane, com grande sensibililidade, retrata um casal que se olha, mas, incrivelmente não se vê. Mesmo habitando a mesma casa, dormindo na mesma cama e até utilizando lentes e recursos fotográficos.
Com a poesia e o lirismo que uma obra de arte permite, Alessandra Negrini e Selton Mello retratam, de forma magistral, o quanto existe um vácuo entre o olho biológico e o olhar que inclui o sujeito do inconsciente.

Entre tantas faces que uma obra de arte pode ser olhada, escolho um viés que Lacan aponta no auge de sua discussão psicanalítica: ‘a relação sexual não existe.’ Bressane coloca em seu filme a radicalidade desta máxima, porém, não tenhamos ilusões. Nem Lacan e nem Bressane estão discutindo o ato sexual em si. Os dois, um na psicanálise, o outro na arte, se esforçam para transmitir a dificuldade que existe num verdadeiro encontro.

Estar com o outro, encontrar, ver, escutar... não significa apenas dois corpos biológicos se posicionarem frente a frente ou penetrarem um no outro através de seus orifícios.
A erva do rato está nas ruas, entre as multidões e na solidão dos lares. A erva do rato entra em nossos consultórios de forma devastadora. Corroendo, triturando e destruindo. É como o cupim. Corrói aos poucos, lentamente e, de repente, quando se dá conta, toda uma construção desaba...

São assim muitos e muitos relacionamentos. Ao assistir a obra, podemos ter aquele impacto: ‘que horror’, ‘só em filme’, ‘que coisa estranha!’. Mas Bressane captura algo absolutamente humano... e como diria Vinícius de Moraes: “A vida é a arte do encontro embora haja tanto desencontro pela vida.” E o que vemos no consultório de psicanálise são muitos desencontros. Muitas fraturas gratuitas. Agressões, desgastes, ignorância. Fenomenologicamente podem agir de forma diferente do casal do filme, pois este era silencioso, amável e respeitoso. Porém, em sua essência, existe uma ‘não relação’, um monólogo interior, dois organismos que psiquicamente estão desvinculados. Até existe um esboço, um vislumbre de um desejo por parte da moça. Mas, e a atitude? O posicionamento? Parece não haver energia psíquica, força suficiente para chegar até o outro e batalhar por seu desejo. É efêmero. E passa...

É a moça, mas parece que podia ser qualquer outro objeto. Uma caveira, por exemplo. O outro não existe. Existe a masturbação. O próprio prazer. A satisfação das vontades imediatas.

A psicanálise visa o desejo. Porém, se o desejo é de fato desejo, ele inclui trabalho, estudo, esforço, construção, diálogo, ligação. Freud já disse em 1920, existe o para além do princípio do prazer... Existe algo além que pode ser destrutivo e corrosivo, mas por outro lado, pode ser algo especial, que constrói, liga as pessoas e gera vida! Duas posições radicalmente diferentes frente ao outro. Para a psicanálise, é possível a vida ser a arte do encontro, da construção e da vida! Porém, é um perigo se deixar corroer inerte pela erva do rato... 

Diretor: Júlio Bressane
Elenco: Selton Mello, Alessandra Negrini.
Produção: Marcello Maia, Bruno Safadi
Roteiro: Júlio Bressane, Rosa Dias, baseado nos contos A Causa Secreta e Um Esqueleto, de Machado de Assis
Ano: 2008
País: Brasil
Gênero: Drama


terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Martha





Por: Fabiana Ratti


Martha, filme de 1974, dirigido por Rainer Wener Fassbinder mostra o encontro e união de um casal. Uma união que, para quem olha, pode parecer algo que só acontece na tela de cinema, mas penso que este tipo de união é até mais comum do que supomos.

Fassbinder faz, no começo do filme, um jogo de câmeras inédito no cinema. O casal troca um 1º olhar em Roma com câmeras girando em 360º, e depois, coincidentemente, são apresentados numa reunião de amigos em sua cidade alemã. Amor a 1ª vista? Era para ser?

Ao longo do filme, parece que Martha está hipnotizada, inerte às situações. Ela percebe algumas esquisitices, acha estranho, tem algumas repulsas com cenas de vômitos... mas parece que ela não tem saída, que a união com Helmut Salomon é seu único caminho possível.

Na lua de mel, os dois vão para o sul da Itália. É um casal silencioso. No passeio demonstram não ter intimidade.  Fassbinder cria uma atmosfera com ligeira tensão no ar. Quase como um filme de suspense, como se fosse acontecer alguma coisa a qualquer momento. Tomam banho de sol cada um na sua. Martha fica com a pele vermelha como quem não está acostumada ao sol forte e, com isto, Fassbinder apresenta uma primeira cena assustadora. Salomon convoca Martha ao sexo com rispidez e, ela com sua pele frágil e ardida queimada de sol demonstra as dores de ser firmemente pega num momento em que a pele não poderia ser nem tocada. Salomon, por outro lado, demonstra uma efusividade jamais encontrada em toda a lua de mel. Que alegria tamanha era aquela? Por que Martha não brigou, não se posicionou? Esta é a pergunta que perdura durante todo o filme e a interrogação que nos colocamos diante de alguns casais.

Um segundo momento tenso é a questão que ele falava para que ela parasse de trabalhar e ela dizia que trabalhava na biblioteca por um tempo, que gostava muito, que era seu cotidiano. Chegou um belo dia em que ele enviou sua carta de demissão. Ela chegou ao trabalho e a instituição a informou que haviam aceito a carta de demissão. Como assim? Como a vontade de um sobrepuja o desejo do outro? Que consideração que este marido tem para com a vida e os desejos da esposa?

Fassbinder narra este dilema com primor! Seguem cenas e cenas com atmosferas tensas permeadas com carinhos e relações cotidianas de casal. Martha se assusta. Existe algo que ela estranha, que ela suspeita. Mas, o que a faz não interpela-lo? O que a faz não enfrenta-lo? Medo, insegurança? Solidão? (Seu pai é falecido e a mãe estava num asilo).Falta de outras perspectivas para uma mulher da época?

Fassbinder apresenta assim o clássico casal sádico-masoquista. Todo sádico, toda pessoa que se relaciona de forma a agredir a outra, precisa de um ser que tenha uma vulnerabilidade para ser agredido. Existe um pacto. Miller, psicanalista pós-lacaniano, discute o conceito de parceiro-sintoma. O casal faz uma dupla sintomática. Muitas vezes, tendemos a colocar o sádico como vilão e o masoquista como mocinho, coitado... A questão é: por que não enfrenta? Porque não se posiciona? Existe algo do aparelho psíquico que mantém aquela relação, por algum motivo, particular do sujeito. Para a psicanálise, os dois são responsáveis.

Fassbinder percebe que não é um jogo de vilão e mocinho e coloca um terceiro na jogada. Um amigo de Martha que fica penalizado com a situação e tenta ajuda-la, e tem um fim trágico. Será que as queixas para o amigo são tão inofensivas? Não é apenas o sadismo de Salomão, mas também a falta de posição de Martha que também traz conseqüências nefastas e avassaladoras para si e para aquele que está em volta.

Marta e Salomão não conseguem ser um casal. Não conseguem ser parceiros. Conseguem apenas ter uma satisfação outra: de posse, de servidão, de submissão, etc. Mas nunca de sujeito desejante, que deveria ser a mola propulsora de uma relação.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

O Misantropo




Por: Fabiana Ratti 

O Misantropo, peça escrita por Molière (1622 – 1673) dramaturgo francês, ator e encenador. Nesta peça de 1666 Molière descreve um personagem chamado Alceste que, como o próprio nome da peça diz, é um misantropo, uma pessoa que não aguenta conviver em sociedade, que se cansa das outras pessoas e prefere ficar só a ter de se inserir na convivência social. O argumento de Alceste é que as pessoas não são verdadeiras, se preocupam com besteiras e fazem semblantes o tempo todo. Molière, como em sua obra, faz uma crítica à sociedade burguesa que vive de aparências. Mas, além disso, discute como seria a sociedade se fosse montada no ‘faça como quiser’, como bem entender, sem se preocupar uns com os outros, somente com as pulsões instantâneas verdadeiras e efêmeras. Alceste está apaixonado por Celimène, que, paradoxalmente, defende as regras e as boas maneiras para a boa inserção na sociedade. A peça se desenrola no diálogo entre os dois e os amigos articulando esse debate.

E a psicanálise? Qual posição toma?

Freud parte do princípio de que o ser humano nasce um animalzinho, puro instinto, mas logo nos primeiros momentos já se defronta com a cultura: as vestimentas, a linguagem, os horários para dormir, etc. Assim, passa a ter pulsão que é a confluência do instinto biológico, do aparato psíquico e da inserção na cultura. 

Por muito tempo, alguns leitores de Freud, assim como Alceste, interpretavam a cultura como sendo um horror. Algo imperativo, impositivo que fere a liberdade pessoal reprimindo o sujeito e esta seria a causa de traumas, males e doenças. Alguns da sociedade optaram por uma educação liberal, sem muitos limites ou confrontações. Até que ponto, algumas dificuldades sociais que hoje temos com as drogas, com as irresponsabilidades de álcool ao volante ou mesmo da gravidez na adolescência não teriam relação com este tipo de pensamento?

Em “Mal-estar na civilização” (1920) Freud coloca o quanto existe um mal estar para viver em sociedade, pois não podemos, o tempo todo, falar e fazer o que queremos e como queremos porque existe a liberdade do outro, a privacidade do outro, as leis e as regras para o bom convívio na sociedade.

Lacan defende a idéia de ‘laço social’, um ser humano capaz de fazer laços sociais das mais diferentes formas: entre amigos, colegas, amores, família, é um sujeito que tem maior possibilidade de sorver a vida. Não precisamos ser hipócrita como Alceste condena, mas não é por isso que deixamos de cumprimentar com educação pessoas que não amamos. Existem formas de falar e construir relações sem cair na hipocrisia ou na solidão da ingênua ‘sinceridade’.

Molière, gênio da comédia, mesmo escrevendo em 1666 é, como toda boa obra de arte, sempre uma discussão atual!