quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Fim do mensalão


 Em Antígona de Sófocles, já na tragédia grega, Creonte falou:



“Não há para o homem invenção mais funesta que o dinheiro. Ele é o que corrompe as cidades, afasta os homens de seus lares, seduz e conturba os espíritos mais virtuosos, e os arrasta às práticas das mais vergonhosas ações. Em todos os tempos tem ensinado torpezas e impiedades! (...) Sabereis assim, de que mãos se deve receber o dinheiro, e aprendereis que nem de tudo se deve esperar imerecido proveito. Os ganhos ilícitos têm causado muito maior número de prejuízos do que de vantagens! ”

 

Uma homenagem a um dos poucos atos de justiça que existem no país. Para que posições como a que  Joaquim Barbosa tomou frente ao mensalão ganhe força e traga um futuro mais digno ao Brasil.

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

O Pântano


Por: Fabiana Ratti, psicanalista 


Dizem que uma das principais diferenças entre teatro e cinema, além da presença física: ator-público, é o corte. É a maneira que o diretor decide fazer o corte dos planos, extrapolando assim, a interpretação do ator.  

O filme argentino, O Pântano (2001), de Lucrecia Martel, no meu ponto de vista, tem a capacidade de ser insuportável e fazer o espectador pensar, o tempo todo, que há um erro no corte, na montagem. As cenas são longas, demoradas, cansativas. Chegam a ser chatas, enfadonhas... É como se o tempo não passasse. Então, o filme acaba. E, há um efeito surpreendentemente retroativo! Que, penso eu, somente a arte consegue colocar este sentimento na materialidade de um filme.

A diretora consegue, com exuberância, materializar a característica humana da letargia, do marasmo, do nada. Quem nunca ficou no pântano, em alguma situação, atire a primeira pedra!

Buñoel, em 1962, com proeza semelhante, demonstra esta mesma prostração e falta de iniciativa humana com “O Anjo Exterminador”. Por que ninguém ali toma a iniciativa de abrir a porta?

Porém, Buñoel, por incrível que pareça, consegue ser mais ‘engraçadinho’. O espectador se entretém com alguns diálogos, com alguns personagens e cenas. Martel não dá uma folga! É pesado, amordaçante.

E, voltando para a questão do corte, os dois filmes têm um efeito retroativo. Com Buñoel, ao findar o filme, nos interrogamos: por que não pensamos (pensaram) nisso antes? Por que não agimos (agiram)?  Com Martel, nos deparamos com um sentimento diametralmente oposto ao que vivenciamos durante o filme. O efeito vem a posteri: que filme maravilhoso! Que capacidade de expressão! Indescritível!

O psicanalista francês, Jacques Lacan, trabalha com corte lógico nas sessões de psicanálise. Esses cortes geram polêmica. Muitos não o compreendem. Mas O Pântano expressa muito bem um dos pontos que Lacan enfatiza com o tempo lógico. Ele diz que o corte da sessão é para que o sujeito do inconsciente trabalhe não apenas na análise, mas fora da análise. Que perdure o efeito da sessão. Que a pessoa saia pensando a respeito de algo importante para ela. Algo novo. Inusitado. Segundo uma nova perspectiva de olhar. Os filmes de arte tem este compromisso. Que não seja apenas um entretenimento com começo, meio e fim. Que os pensamentos não fiquem apenas naqueles minutos que o filme está rodando.

Porém, O Pântano traz ainda mais esta questão de Lacan, por duas razões: o estado de pântano faz muitas pessoas buscarem análise. Pedirem ajuda. É angustiante ficar no nada. Ficar no vazio. A outra questão é que, para muitas pessoas, a análise é um pântano. Nem sempre é fácil fazer análise. Não é fácil se tratar, ver as próprias dificuldades e defeitos. Ainda mais, lidar com eles e se responsabilizar por eles, fazer transformações e mudanças. Por incrível que pareça, alguns escolhem não sair do pântano. 
É a partir do corte que o sujeito pode sair do estado de pântano. É a partir de cortes e montagens que construímos nossas histórias. Mudar a perspectiva de olhar e de se apropriar da vida, de projetos e sonhos que o corte propicia para quem tem coragem de enfrentá-lo!       

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Espinho na Roseira


Tem espinho na roseira
Oi cuidado, vai cortar a mão
Tem espinho na roseira
Oi cuidado, vai cortar a mão
Tem espinho na roseira
Oi cuidado, vai cortar a mão
Tem espinho na roseira
Oi cuidado, vai cortar a mão

Pedro Alcântara do Nascimento
Amava Rosa Albuquerque Damião
Pedro Alcântara amava Rosa
Mas a Rosa num amava ele não
Rosa Albuquerque amava Jorge
Amava Jorge Benedito de Jesus
E o Benedito, Benedito Jorge
Amava Lina que é casada com João
E o João, João sem dente
Amava Carla, Carla da cintura fina
E a Carla, linda menina
Amava Antônio Violeiro do Sertão

E o sertão vai virar mar
E o mar vai virar sertão
E o sertão vai virar mar
E o mar vai virar sertão
E o sertão vai virar mar
E o mar vai virar sertão
E o sertão vai virar mar
E o mar vai virar sertão

E o Antônio, Cabra da Peste,
Amava Júlia que era filha de Odete
E a Odete amava Pedro
Que amava Rosa que era prima de Drumond
E o Drumond que era casado
Com Maria, que era filha de Sofia,
Mãe de Onofre e de José
E o José era casado com Nazira,
Que era filha de Jandira,
Concubina de Mane
E o Mane tinha dezessete filho,
Dez home e seis menina
E um que ia se resolver
E o rapaz tava já na adolescência
Tinha brinco na orelha
E salto alto pra crescer

Tem espinho na roseira
Oi cuidado, vai cortar a mão
Tem espinho na roseira
Oi cuidado, vai cortar a mão
Tem espinho na roseira
Oi cuidado, vai cortar a mão
Tem espinho na roseira
Oi cuidado, vai cortar a mão
E o Rodolfo, que já era desquitado
Era homem mal amado
Não queria mais viver
Encontrou Maria Paula de Arruda

Que lhe deu muita ajuda,
Fez seu coração nascer
E são essas histórias de amor
Que acontecem todo dia, sim Senhor

E são essas histórias de amor
Que acontecem todo dia, sim Senhor



Essa música: Espinho na Roseira, escrita por André Abujamra da Banda Karnak,  consegue fazer uma intertextualidade entre vários autores, ou seja, uma conversa entre grandes da música e da literatura.

1 – A Quadrilha – poema de Carlos Drummond de Andrade

João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.

Que inspirou também Chico Buarque com a música Na Flor da idade

2 – O Sertão vai virar mar de Moacyr Scliar, inspirado na saga de Antônio Conselheiro, em Canudos no Sertão Bahiano, uma discussão adolescente da tenra história narrada por Euclides da Cunha em Os Sertões.


Poemas, músicas, romances dialogam...
Essa música, Espinho na Roseira, inspirada em outros autores traz verdades que aparecem no consultório de psicanálise...
Rosas lindas e cheirosas... mas com espinhos... como é fácil sofrer por amor...
O jogo da Quadrilha mostra o desejo sempre em busca de algo novo e diferente que nem sempre é correspondido... que precisa de luta e muita coragem para transformar a realidade vivida... do sertão virar mar ou do mar virar sertão...

Em sua última estrofe Abujamra diz:

E são essas histórias de amor
Que acontecem todo dia, sim Senhor

Quando a pessoa está passando por essa sensação de desilusão amorosa, o quanto ela sente como se fosse apenas ela e que é uma dor que nunca terá fim... então, o tempo vai passando e... um novo amor aparece, um novo encontro e um novo desencontro... Faz parte da vida, das entregas e dos amores...

A questão é não ficar apenas nisso. É fazer vínculos, construir relações sólidas, se dedicar aos amores para ter uma nova realidade.

Mas, Como dizia o poeta, Vinicius de Morais também homenageia esse momento não correspondido que todo ser humano passa e se não passou, terá de passar:

Porque a vida só se dá pra quem se deu, pra quem amou, pra quem chorou, pra quem sofreu!!

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

A delicadeza do amor e Compramos um zoológico



Por: Fabiana Ratti, psicanalista

Para uma semana da criança chuvosa, nada melhor do que assistir a esses dois belos filmes!

A Delicadeza do amor (2012) tem como atriz principal Audrey Tautou, mais conhecida por sua atuação como Amelie Poulain.  O filme francês, muito bem dirigido por David e Stéphane Foenkinos é um romance com comédia. Não podemos dizer que é uma comédia romântica dessas formatadas em que podemos antecipar todos os passos dos personagens principais na previsibilidade americana. Não. A Delicadeza do amor conta a história de Nathalie, uma mulher que ficou viúva muito cedo e frente à dor, preferiu refugiar-se no trabalho. Após alguns anos de luto, Nathalie começa a se relacionar com uma pessoa inusitada no trabalho, interpretada pelo excelente ator e humorista belga, François Damiens

Do ponto de vista da psicanálise o filme é bem interessante porque uma das questões muito trazidas ao consultório é: ‘o que os outros vão pensar dessa pessoa com quem estou saindo?’ É uma questão importante, pois o namoro não se restringe a quatro paredes. A pessoa tem uma vida familiar, uma vida social, uma vida profissional, uma vida econômica, etc. E é preciso pensar em tudo isso ao se relacionar com uma pessoa. Porém, há uma diferença entre pensar nas características da pessoa e ficar na tentativa de preencher a expectativa do Outro, ficar preso a pré-requisitos que agradem ao Outro, passando por cima de questões sérias e profundas do próprio relacionamento em si.

A Delicadeza do amor consegue discutir esse ponto através de personagens coadjuvantes tornado o filme engraçado e liberando os atores principais para viverem e construírem a relação a dois num tempo e espaço muito particular deles, até o estopim que os deixou ainda mais diante um do outro, precisando cada um tomar uma posição mais definida.    

Podemos dizer que o filme americano, Compramos um zoológico (2011), do diretor Cameron Crowe tem quase a mesma toada. É um filme belo e sensível. Para se ver em família. Assim como em A Delicadeza do amor, o filme começa com o falecimento da esposa de Benjamin Mee (Matt Damon), deixando-o viúvo. Neste caso, com dois filhos: um adolescente e uma menina pequena. Tudo vai mal na vida de Benjamin. O trabalho, a relação com o filho adolescente, a vizinhança. Então resolve mudar de vida e, inusitadamente, compra um zoológico. 

Assim como A Delicadeza do amor, Compramos um zoológico tem um timing excelente. As piadas imprevisíveis e a sequência do filme mostra que o amor ainda existe. Mostra que as pessoas são capazes de respeitar umas as outras e que é preciso um tempo de luto para que as pessoas se despeçam de seus entes queridos para conseguirem se re-conectar com um novo amor e uma nova vida. Filmes tão belos que conseguem tratar a questão do luto com a densidade merecida e com a abertura para que a vida continue e assim, sejam estabelecidas novas ligações após tão grande sofrimento!

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Cinquenta tons de cinza – Filosofia na Alcova





Por: Fabiana Ratti, psicanalista 

Cinquenta tons de cinza, trilogia da inglesa E. L. James, retoma livros como: Justine, A Filosofia na Alcova, 120 dia de Sodoma, entre tantos escritos pelo aristocrata francês e escritor libertino Marquês de Sade (1740 – 1814). Assim como a moda, as tendências são cíclicas, causando impacto e furor como se fossem a primeira vez. Na época de Napoleão, esses pensadores que incluíam a sexualidade como forma de sadismo ou masoquismo em sua livre escrita, eram encarcerados, hoje ganham os holofotes de Hollywood e muito dinheiro, algo mudou na sociedade.  

Marquês de Sade, alémda questão sexual era ateu, o que na época era bastante questionável,fazia críticas mordazes à sociedade, utilizava-se do grotesco e do horror para discutir questões morais e filosóficas. Sua obra também gerou filmes e peças teatrais, como as muitas apresentadas pelos Satyros, na Praça Roosevelt em São Paulo. 

Podemos pensar outro exemplo, um fenômeno da década de 1990 que foi a “inteligência emocional”. Todos falavam como uma novidade, livros e livros foram vendidos em profusão, mas não era simplesmente uma renomeação do que Freud havia dito em 1900: Todos temos aparelho psíquico e precisamos saber lidar com ele para agir no mundo, na vida, no trabalho e na família?

Bom, assim, podemos ir de exemplos em exemplos pois a sociedade gosta do ar de novidade com uma pitada do já conhecido. Faz parte. E. L. James discute a questão do sadismo na versão feminina. Como psicanalista, só consigo dizer o quanto a discussão filosófica por traz dos abusos sexuais na obra do Marquês de Sade revolucionou a psicanálise lacaniana. Lacan se deu conta do quanto o ser humano não tem um princípio kantiano, ele não busca um bem comum, um bem universal. Dessa forma, ele não busca um prazer, ele busca algo para além do princípio do prazer. O ser humano tem um desejo bem singular, único e, muitas vezes, se coloca em certas posições frente ao outro, deixando com que o outro o sadomize, colocando-se como vítima, sem se responsabilizar pela posição que ocupa, que seja na vida ou nas relações afetivas e sexuais.

Sexo, entre tantos assuntos é sempre mais efervescente, dá mais polêmica e assim aquece o mercado! Como psicanalista, mesmo sabendo que é algo da condição humana, concordo com Caetano Veloso: porque rimar amor e dor?

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

A Invenção de Hugo Cabret e O Exótico Hotel Marigold


 
Por: Fabiana Ratti, psicanalista 

A Invenção de Hugo Cabret (2011) e O Exótico Hotel Marigold (2012) são filmes bem diferentes mas podemos pensar em dois pontos fortes em comum: os dois brindam a amizade e fazem uma espécie de homenagem à terceira idade.

A Invenção de Hugo Cabret é um filme de aventura e mistério dirigido por Martin Scorsese que se passa nos anos 1930. Retrata um garoto órfão de 12 anos que vive solitário em uma estação de Paris onde organiza os relógios, seus ponteiros e sua sincronia, no lugar de seu tio alcoólatra que tinha essa função. Sua única ligação com o pai relojoeiro é um automaton, umas peças de relógio e um caderninho. Suficiente para Hugo se relacionar com o relojoeiro local e sua sobrinha, desenvolvendo uma forte amizade em busca da resolução de um mistério que envolvia o seu automaton e George Melies, precursor do cinema mudo e preto e branco.   

O filme é muito bem realizado e conduz o espectador numa experiência emocionante e histórica. Retrata também, com bastante humanismo, a sensação da pessoa idosa, que já teve seu apogeu, seu estrelato, o reconhecimento de seu trabalho, e com o tempo, com a evolução das tecnologias, com outros nomes sendo reconhecidos, seu trabalho vai perdendo o sentido e se tornando ultrapassado, chegando ao anonimato.


O Exótico Hotel Marigold (2012), de John Madden, se passa na índia e é realmente exótico. Alguns aposentados, entre eles um casal, solteiros e viúvos, pelas mais diferentes razões, decidem passar suas aposentadorias no Hotel Marigold. A princípio, uma falha de roteiro, pois o que faz essas pessoas acreditarem que a índia seria uma excelente opção para essa temporada? Porém, uma falha justificada, pois eles vivem situações difíceis, algumas engraçadas e outras emocionantes que têm a ver com as escolhas que cada um fez na vida e a escolha que cada um faz naquele momento. O dono do Hotel e a relação com a mãe e a namorada é uma atração à parte. Mas aqui eu focaria mais a questão da 3ª idade, que Madden trata com doçura e delicadeza.

A expectativa de vida no mundo vem aumentando. Com remédios, fisioterapias, cremes e produtos de beleza que postergam o envelhecimento, temos uma 3ª idade jovem, intelectual e fisicamente ativa, pessoas que estão se aventurando na internet e nos amores.

Hugo Cabret demonstra que a amizade da nova geração pode homenagear as gerações anteriores, revitalizando suas vidas e retomando o orgulho anterior. O Exótico Hotel Marigold demonstra que a amizade entre pessoas da mesma geração pode fortalecer os vínculos e a vida pode ser ainda melhor, havendo perspectiva de futuro.

Um brinde à amizade!  

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

O Curioso Caso de Benjamim Button e a Saga Crepúsculo

Por: Fabiana Ratti, psicanalista 

Freud tem um texto chamado O Estranho, é o que mais se aproxima do Curioso Caso de Benjamin Button (2008), drama americano, inspirado num conto de F. Scott Fitzgerald. O filme, dirigido por David Fincher e muito bem interpretado por Brad Pitt, se passa em 1918, em Nova Orleans. Benjamin Button nasce com a aparência envelhecida e seu pai, pensando se tratar de um monstro, o abandona. Benjamin é criado num lar de idosos e, incrivelmente, com o tempo, vai rejuvenescendo até que no fim da vida, tornar-se um bebê.

Estranho. Muito estranho. Freud, no texto, através de um conto de Hoffmann, diz que aquilo que é mais estranho, o que causa mais repulsa e horror, muitas vezes, é o que é mais familiar, mais próximo. Ou seja, a velhice, a esquisitice, a doença, a morte, são horrores da natureza humana que estão sim muito próximos ao ser humano. O bebê Benjamim nos lembra, o tempo todo, o que Freud nomeou de ‘horror da castração’. Tudo o que inversamente, na teoria, um bebê deveria representar, pois ele representa a vida, o nascimento, a juventude, a saúde. Mas nem sempre é assim. Na prática, sabemos que se estamos vivos, os percalços acontecem, haja vista as maternidades e UTIs neo-natal. Benjamin Button causa horror. As pessoas o repelem. É difícil a convivência, o contato. Benjamin causa realmente uma estranheza particular, mas, o que Freud argumenta é que poderia ser qualquer doença. A grande questão é que o ser humano tem horror ao fato de ser mortal, de ser imperfeito. Tudo o que lembra a imortalidade é familiar pois é a condição sine qua non para ser um ser humano, porém, causa horror.

Podemos, em contraposição, discutir, por exemplo, a Saga Crepúsculo (2008) escrita por Stephenie Meyer e dirigida por Catherine Hardwicke. Na Saga, Isabella Swan (Kristen Stewart) é uma garota que se apaixona por Edward Cullen (Robert Pattison), um vampiro. É uma história bem adolescente, num mundo em que se misturam os humanos, os vampiros e os lobisomens. A grande luta é encontrar um ponto de imortalidade, de fragilidade entre os lobisomens e os vampiros e salvar a heroína, até então humana e mortal, Bella Swan.
Mesmo com pontos estranhos e surreais, o filme ganha uma legião de fãs e garotas enlouquecidas, entre tantas razões, uma delas é o brinde à imortalidade, à juventude e à perfeição. A começar pelo mocinho, Edward que fisicamente tem o estereotipo de beleza masculina. Tem mais de cem anos, ou seja, experiência, cultura, sabedoria, mas ficou imortalizado na juventude e na beleza dos 17 anos! É rico, é forte, pressente quando a jovem está em perigo, não tem as necessidades mundanas como comer ou dormir (pode ler ou apenas acompanhar a amada nesse momento) é um vampiro do bem, tem uma família também jovem, que será para sempre jovem, e... voa!

Entre outros requintes de detalhes que não vamos nos debruçar, Crepúsculo brinca com a imortalidade, traz aventuras e fantasias adolescentes que deixam os personagens entre a vida e a morte, mas garante no final: o “horror à castração” é história da carochinha! A perfeição e a juventude eterna existem, pelo menos para o casal central que é o foco de identificação do público.

Lógico que filmes com a profundidade e densidade de O Curioso Caso de Benjamin Button são mais esféricos e verdadeiramente humanos ao colocar o público frente a sérias questões como o horror frente à doença, à morte, à rejeição. O quanto o ser humano é capaz de rejeitar a si próprio como fez Benjamin se excluindo da relação com a esposa e o quanto, nos relacionamentos é preciso estar preparado para acompanhar as mudanças dos cônjuges, quaisquer que elas sejam, ao longo da vida.

Mas também, não precisamos descartar que o ser humano precisa de um pouco de ópio. É preciso um pouco de ópio para esquecer as dores. É necessário algum momento para se embriagar na ilusão de perfeição, completude, harmonia e reciprocidade. Se este ópio vem de filmes e livros, mesmo que sejam simples e fáceis, como diz Baudelaire: “Embriagai-vos”. Melhor do que as drogas, não é mesmo?!

sábado, 1 de setembro de 2012

homenagem ao dia do psicólogo - 27 de agosto

Querida Fabiana,
 
Palavras de um poeta como homenagem ao dia em que 
se comemora seu dia, o dos psicólogos:
 
 
Segue o teu destino
 
 
Segue o teu destino,
Rega as tuas plantas,
Ama as tuas rosas.
O resto é a sombra
De árvores alheias.

A realidade
Sempre é mais ou menos
Do que nós queremos.
Só nós somos sempre
Iguais a nós-próprios.

Suave é viver só.
Grande e nobre é sempre
Viver simplesmente.
Deixa a dor nas aras
Como ex-voto aos deuses.

Vê de longe a vida.
Nunca a interrogues.
Ela nada pode
Dizer-te. A resposta
Está além dos deuses.

Mas serenamente
Imita o Olimpo
No teu coração.
Os deuses são deuses
Porque não se pensam.

               Ricardo Reis
Com muito carinho,

Stella

sábado, 25 de agosto de 2012

Uma vida melhor e Um dia sem mexicanos

Por Fabiana Ratti, psicanalista




Uma vida melhor, de Chris Weitz (2011), e Um dia sem mexicanos de Sergio Arau (2004) são mais dois filmes entre tantos sobre imigração. A dureza, as dificuldades, as poucas oportunidades, a preocupação em levar uma vida silenciosa para não serem deportados, pois, pela narrativa dos filmes, viver nos EUA, ainda é uma vida melhor do que nos arredores latino americano.

Uma vida melhor é um filme denso e muito sério. Demian Bichir (Carlos Riquelme) ator mexicano, que concorreu ao Oscar de melhor ator em 2012, está excelente e o filme acompanha o seu perfil. O filme narra a história de um imigrante que faz trabalho de jardinagem nos arredores de Los Angeles e tem um filho adolescente. Carlos passa por todas as agruras de uma vida moderna: a dificuldade de diálogo com seu filho que não vem estudando muito e se envolve com gangues, a luta por trabalho e o dinheiro contado dificultando dar um passo a mais para melhorar sua vida. O filme também retrata, com bastante inteligência, as questões de ética, a inclusão na lei, a consideração pelo outro, situação delicada pois, sendo ilegal no país, eles já partem de uma posição fora da lei, como incluir e ensinar leis a um filho? Como se aproximar, construir um diálogo e ainda discutir afeto? Alguns atos e poucas, porém, importantes palavras, fazem um diferencial para a construção de uma família e de novas relações sociais.

Por outro lado Um dia sem mexicanos é uma comédia bem leve. Cinematograficamente falando, podemos dizer que é bem mequetrefe! Baixo orçamento, provavelmente, um cotidiano básico da vida na Califórnia. Porém, é hilário e discute um tema bastante sério. Vale muito a ideia!

A primeira parte do filme mostra o dia-a-dia da Califórnia e a convivência dos americanos com os latino-americanos, mão de obra barata que são responsáveis por uma grossa fatia da movimentação na economia americana. Mostra a intransigência, a chateação e o incômodo dos americanos com ‘esse povinho’, como se houvesse uma hierarquia entre os seres. O filme ressalta a diferença econômica entre eles, mas não apenas, basta ter um sangue, uma aparência ou mesmo uma imigração de um país afastado, não importa, a pessoa é catalogada de mexicana e as propostas de trabalho, as oportunidades e as relações afetivas mudam! 

A segunda parte do filme é bem surrealista, começam sumir os mexicanos, forma como os americanos chamam, pejorativamente, todos os latino-americanos. Os americanos começam a ficar preocupados, inseguros e tensos. No dia seguinte, os mexicanos retornam como se nada tivesse acontecido e os americanos ficam extremamente felizes, pulam e beijam seus funcionários. Como se eles tivessem passado um frio na barriga: como ficaria nossa vida sem a empregada, o jardineiro, os trabalhadores rurais? Sem ninguém querer pular a fronteira que divide EUA e México? Uma cena hilária é quando um senhor, de cargo muito importante está entrando em sua sala e encontra os mexicanos pregando o quadro, na primeira parte do filme, ele os expulsa, briga e os xinga. Quando ele percebe que se não tem mais os mexicanos, quem terá de fazer a tarefa será ele, no dia seguinte, quando os mexicanos aparecem, o senhor os trata com delicadeza, oferece uma bebida e ainda diz: “Mi casa es su casa”! Um belo filme de homenagem a esses trabalhadores que merecem o reconhecimento por seus trabalhos.

Pensando nos dois filmes, podemos dizer que, segundo Freud, o ser humano é um bichinho que vai sendo lapidado pela cultura. As leis, as regras, o respeito pelo outro, a inclusão das diferenças é algo que requer muito esforço, intelecto e psíquico, para que assim seja possível tirar o foco do próprio Eu e incluir o outro. O primeiro filme tem uma cena excelente que descreve essa questão. Quando é possível dividir o pão, ou seja, abrir mão de uma satisfação em prol do outro, ok. Agora, quando temos um prato de comida que vai trazer ainda mais satisfação, vale até destruir o outro... Para Freud, o ser humano tem pulsão de vida e de morte amalgamadas e é a decisão, a escolha e a posição do sujeito atravessada pela cultura que direciona seus atos.

Em tempos de julgamento de mensalões nesse país em que estamos, podemos dizer que os políticos poderiam fazer mais esforços pelo cumprimento das leis possibilitando que a sociedade e os cidadãos possam se incluir e ter mais possibilidades, dentro das leis de cada país, para que também eles, possam exercitar o respeito, se incluírem nas regras e nas leis para o cumprimento de uma verdadeira cidadania e a busca de uma vida melhor.  Vale a pena se inspirar nos filmes!  

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Um dia








Por:  Fabiana Ratti, psicanalista

Um dia é um drama, do diretor Lone Scherfig, que se passa de 1988 até 2011 enfatizando um dia, um único dia, 15 de julho, na vida dos personagens Emma (Anne Hathaway) e Dexter (Jim Sturgess). A princípio, parece mais uma comédia romântica. Confesso que ao longo do filme eu me irritei com aquela lenga-lenga... Mas com o tempo, fui vendo que era uma história bem real. Um homem e uma mulher que ficam juntos no dia da formatura e depois se tornam amigos. Os caminhos foram se alternando, as escolhas foram sendo feitas e eles passaram a ter o compromisso de se verem ou de se falarem, pelo menos no 15 de julho.

Um dos pontos que mais me veio à cabeça durante o filme foi a explicação de Lacan sobre o tempo lógico. Ele diz que o aparelho psíquico tem um instante de ver, um tempo de compreender e um momento de concluir. Ou seja, são fases do amadurecimento da visão. Às vezes, conseguimos olhar, mas não necessariamente ver. Para ver, é preciso um tempo de compreensão.

No primeiro momento do filme, tive aquela sensação ‘fiquem logo juntos’, o que está impedindo? Depois, com o tempo, ficou bem visível que não resolveria ‘ficar junto’, pois principalmente Dexter, um playboy inveterado, queria saborear tudo e todas, não havendo possibilidade de ver o amor que estava à sua frente. Se ficassem, Emma seria apenas mais uma, pois Dexter ainda não havia passado pelo momento de concluir.

Levou anos, muitas trombadas, amores e desilusões para a ‘ficha cair’, para ele ver o que estava à sua frente. E, o filme interroga: por que levar tanto tempo? Às vezes, pode ser tarde... o percurso poderia ser outro, feito de outra forma...

Por isso a análise é para todos. Não somente para os doentes mentais, ou para quem tem um sintoma muito grave. A análise pode servir como um acelerador do tempo lógico, um acelerador do instante de ver, do tempo de compreender e do momento de concluir, e como o filme discute, essa aceleração pode ser muito preciosa!

Além dessa discussão, o filme também caracteriza muito bem os personagens, as ruas e os hábitos conforme os anos iam se passando. Há uma cena bem interessante em que Emma diz: Eu nunca vou ter um celular, como sendo apenas para poucos. Um ou dois anos depois aparece ela, como todos nós, cada qual com seu celular falando sem parar... Ou seja, o filme vale a pena ser visto!

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

O artista




Por: Fabiana Ratti, psicanalista

O artista, dirigido por Michel Hazanavicius, levou a estatueta do Oscar de melhor filme de 2012 e fomentou muitos comentários por ser um filme preto e branco, mudo e com um ritmo e movimentação típicos da era anterior ao mundo da informática.

Porém, a meu ver, conservou um ranço muito típico do século XXI. Conservou a característica das mulheres serem ´biônicas´, super mulheres. Peppy Miller (Bérénice Bejo) consegue um passo para o estrelato com um simples beijo roubado no tapete vermelho.  Ela dança, atua, tem visão de futuro, é bem humorada, agüenta pacificamente a má educação do mocinho, compra os pertences dele quando ele está com dificuldades, o salva da morte, etc, etc. Ou seja, A mulher. Uma mulher plena, assim como podemos ver em filmes como “O Diabo Veste Prada” ou no desenho “Valente”. Mudam os adereços, os artistas, a época a ser filmado, o país, mas continua lá o desespero do século XXI por mulheres plenas e totais.

O mocinho, George Valentin (Jean Dujardin) coitadinho, após os 20 primeiros minutos de glória no filme, pois ele era um ator de filme mudo de renomado sucesso, passa o restante do filme chorando, pois o estúdio passa a produzir filme falado e Valentin não acompanha a evolução cinematográfica.

Gosto do comentário que ouvi na época, no rádio, que levar o Oscar foi uma forma de Hollywood homenagear os europeus, e assim, politicamente ficar mais amistoso com os países do mercado comum, neste momento de crise que os EUA vêm passando. Bom, de toda forma, não é a primeira vez que me interrogo como um filme ganha a estatueta.

Podemos nos lembrar do clássico, “Cantando na Chuva”, que tem mais ou menos o mesmo enredo, um casal que tenta acompanhar os avanços do filme mudo para o cinema falado, ou mesmo, “Luzes da Cidade”, um filme mudo do genial Charles Chaplin, são excelentes filmes do século passado. Filmes que narram histórias de mulheres e homens humanos. A cena da florista em que o vagabundo tenta se passar por milionário diante da florista cega. Ou seja, personagens humanos. Cada um com as suas fraquezas. Quem não seria um pouco pobre ou um pouco cego? A cena é linda! Não por ser em preto e branco ou por ser mudo. O sofrimento do casal em Cantando na Chuva, também é muito genuíno, é difícil, muitas vezes, acompanhar o ritmo da tecnologia e da modernidade e, os seres humanos padecem com as dificuldades da vida.   

Porém, o filme “O Artista”, repete uma fórmula muito usada neste século em que as mulheres precisam ser plenas e totais. Não seria por essa razão que teríamos tantas mulheres solitárias? Mulheres lindas, ricas, inteligentes, famosas em suas áreas de atuação. Plenas. Quase que uma tentativa de não serem humanas... de não terem uma pobreza ou uma cegueira.

Peppy Miller batalha por George Valentin e diz: não sou plena. Algo me falta. O que me falta é este George. Isso é bacana. Nomear e batalhar por um amor é mostrar a ‘falta’ essencial da condição humana, não temos como fugir dela. Mas, a meu ver, existem outros melhores e mais belos filmes. Não vale duas horas e meia de nosso precioso tempo!

segunda-feira, 30 de julho de 2012

Histórias Cruzadas e A Chave de Sarah




Por: Fabiana Ratti, psicanalista 

Histórias Cruzadas e A Chave de Sarah são dois excelentes filmes. Roteiro, montagem, interpretação. O primeiro se passa no Mississipi na década de 1960, e discute alguns horrores do Apartheid. Segregação, preconceito, desprezo. O outro se passa em Paris, nos tempos atuais, remontando ao rafle du Vel’d’Hiver, o maior aprisionamento de massa de judeus realizado na França (12.800 judeus), que ocorreu entre 16 e 17 de junho de 1942, na segunda guerra mundial, executado pela própria polícia francesa.

Duas situações, dois países diferentes e observamos o mesmo fenômeno de massa. A capacidade que o ser humano tem para ficar cego frente a alguns fenômenos sociais.

Histórias Cruzadas conta, com requinte de detalhes, a vida das moças negras que trabalhavam em casa de família numa pequena cidade dos Estados Unidos e todo o preconceito que a elite branca tinha com essas pessoas que cuidam da criação de seus próprios filhos. Skeeter (Emma Stone) deseja se tornar escritora, para tal, precisa de uma história interessante, polêmica e diferente. Com uma cabeça mais aberta e questionadora, Skeeter começa a se interessar por estas questões, conquista a confiança de Aibileen Clark (Viola Davis) e consegue causar uma polêmica ao interrogar sobre a situação pela qual aquela sociedade impingia sobre as vidas e as famílias negras.

A Chave de Sarah extrapola a discussão do nazismo quando a jornalista americana Júlia (Kristin Scott Thomas), que vive em Paris, é chamada para cobrir as comemorações do 60º aniversário do Vel d’Hiv e descobre que seu sogro tem um apartamento que pertenceu à família judia Starzynski, desapossado no evento de 1942. A vida de Sarah é desvelada dando um ar ainda mais trágico de quanta dor esses fenômenos de massa provocam na vida privada de um sujeito.

Os dois filmes, muito bem feitos e interessantes, nos trás a mesma reflexão: como tantos seres humanos conseguem compactuar com o status quo de descriminação e destruição?

Com todas as questões históricas e culturais, recorremos a Freud em “Psicologia de massa e análise do eu”, no qual discute o grande poder de dominância de um líder. O quanto o ser humano é capaz de se identificar a um líder para se abster de pensar e ganhar o reconhecimento da sociedade. No filme Histórias Cruzadas, algumas vezes aparecem cenas em que a pessoa não compactua com o comportamento de destratar um negro, mas o faz para ser aceita na sociedade, mesmo que fira uma pessoa que se tem muito carinho. Em A chave de Sarah, também vemos policiais que não compactuam e que cedem, abrindo um espaço. Por outro lado, nos dois filmes, também podemos ver pessoas alienadas no sistema, pessoas que aproveitam essas situações sociais para pisarem ainda mais em seus semelhantes e extrapolam o sadismo de maneira autorizada pelo líder.  

O que os dois filmes mais me fizeram pensar foi: o que será que fazemos hoje em nossa sociedade que se assemelha a essas situações sociais horripilantes?  Mesmo com todo esse movimento de antidiscriminação, como é, nos dias atuais, o constante exercício de se questionar e se interrogar para não ser uma pessoa inerte? Repetindo situações autorizadas pela sociedade, mas que não necessariamente compactuamos?

Deixemos essas interrogações com o compromisso da reflexão que bons filmes nos impingem!

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Na Natureza Selvagem




Por: Fabiana Ratti, psicanalista

Na Natureza Selvagem, um filme maravilhoso de Sean Penn, com belíssima fotografia e trilha sonora de Eddie Vedder embalando o espectador na aventura real de Christopher McCandless (Emile Hirsch) pelos EUA e Alasca.  

Christopher McCandless é um menino americano de 22 anos que não suporta o “mal-estar na civilização”. Se sente oprimido pelas brigas dos pais, pela pressão na Universidade, pela relação com o dinheiro, etc. Após a formatura, sai errante pelo mundo, sem se despedir dos pais. Destroi o carro e queima o dinheiro como uma maneira de dizer que existem outras formas de viver e vaga com o objetivo de chegar no Alasca e viver a plenitude da natureza. 

Segundo sua visão de mundo, o ser humano poderia escapar do mal estar da civilização. Poderia viver como um bicho. Sentir a natureza... quando ficar com fome, caçar, quando ficar com sede, beber água. Poderia ficar sem se relacionar, sem conversar, sem compartilhar.

McCandless paga um preço alto por crer que, assim como os animais, os objetos da necessidade o bastariam. Ele apostou alto de que seria possível viver como um bicho, excluído da ordem do desejo, excluído da relação social e de uma articulação intelectual mínima que incluíam, por exemplo: de quando em quando viriam a cheias? ou quando acabaria a comida?

Lacan tem uma frase célebre que diz: não é louco quem quer. Ou seja, não é qualquer pessoa que teria uma idéia dessas e uma disposição para enfrentar a natureza selvagem. Que se despiria de todo o seu arsenal cultural e desejos particulares para ingressar em uma aventura como essas.

Particularmente falando, a idéia não é nada boa! O preço é alto de mais por uma interrogação que poderia ser respondida mais por uma abstração psiquica do que com a dura realidade da vida. Mas o filme é excelente! Muito bem dirigido por Sean Penn, interpretado por Emile Hirsch e outros tantos bons atores e cena. Vale as 2 horas e meia de emoção.

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Shame





Por: Fabiana Ratti, psicanalista
 
Brandon (Michael Fassbender), um solitário que vive em Nova York, é acompanhado apenas pelas Variações Goldberg, um conjunto de variações para cravo, compostas por Johann Sebastian Bach, que tocam ao longo do filme. A obra é considerada um dos mais importantes exemplos da forma variação.

Brandon também apresenta muitas variações em sua sexualidade. São mulheres de uma noite apenas, prostitutas, encontros casuais, masturbações, internet, revistas, suruba, homens, etc. Toda a modalidade de satisfação momentânea via o gozo sexual é empreendida. E não há uma saciação. Brandon sempre sai em busca de mais e mais.

O filme tem pouco diálogo. Nem mesmo um amigo Brandon parece ter. As relações são gélidas e fugazes. Apenas Bach para aquecer um pouco o ambiente demonstrando que há uma certa sensibilidade, um ser humano por ali.

Sua rotina levada numa pequena margem de variações fica abalada com a chegada de sua irmã (Carev Mulligan), também solitária, mas com sintomas opostos: carência e melodrama exacerbados. Os atores são talentosos demonstrando a insatisfação na ânsia de viver e o confronto de dois irmãos dividirem o mesmo espaço e emoções no cotidiano de Nova York.

E fica a pergunta: Brandon abandonará esse vício? Mudará de vida?

É realmente uma bela questão que o filme não ousa responder caindo na pieguice do final feliz. Como psicanalista, difícil pensar que é um vício fácil de ser deixado. É preciso muita força de vontade. Assim como o álcool, as drogas, o jogo, o sexo como vício, também vai num crescente que formas anteriores passam a não fazer mais efeito, não ter mais graça, e o indivíduo procura mais e mais...

Existem algumas pessoas que usufruem do vício para fazer laços sociais. Se aproximar das pessoas, desinibir, falar com o grupo, etc. Brandon mostra o lado mais negro do vício, o rompimento dos laços sociais e o prazer solitário. Qual força o faria largar? O que o faria abandonar seu vício e voltar a se conectar com o mundo?

De forma bem inteligente o diretor inglês Steve Mcqueen deixa essa pergunta no ar, não retratando apenas a vida de Brandon, mas a de muitos solitários que transitam pelas grandes metrópoles do século XXI.

quinta-feira, 14 de junho de 2012

O Garoto da Bicicleta

 

Por: Fabiana Ratti, psicanalista

 

O Garoto da bicicleta (2011) é mais um filme interessante dos irmãos Luc e Jean-Pierre Dardenne. Mais uma vez eles discutem a rejeição, sobretudo a rejeição do pai pelo filho. Em A Criança, filme de 2005, Jérémie Rénier é um jovem delinqüente de 20 anos e um pai que vende seu filho recém nascido. Ao se deparar com a mãe inconformada, dá imediatamente a solução: “Não se preocupe, fazemos outro.”

 

Em O Garoto da bicicleta, Jérémie Rénier, ator belga, sempre em excelente atuação, deixa seu filho Cyril (Thomas Doret), de 12 anos em um orfanato. O filme mostra, com muito humanismo, o sofrimento de uma criança rejeitada, as dificuldades em uma instituição e as novas possibilidades de amor e de relacionamento em um lar e nas ruas.

 

Samantha (Cécile de France) conhece Cyril de uma forma inusitada e começa a se aproximar do garoto, abrindo espaço para uma nova vida, para ele e para ela.

 

A rejeição é um ponto frequentemente trazido às sessões de análise. Todo ser humano, de uma forma ou de outra, já se sentiu rejeitado. Desde situações trágicas, como a apontada no filme, como em situações de bulling com os colegas, ou por questões sócio-econômicas e culturais. Existe a rejeição freqüente, de todos os dias e existe a rejeição esporádica. Também existe a sensação de rejeição, quem nunca se sentiu como Álvaro de Campos diz em A Tabacaria?  

 

Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,

 

Logicamente, vivendo em sociedade, sabemos que nem sempre somos aceitos, que nem sempre nos convidam ou nos querem na brincadeira. Porém, mesmo racionalmente cientes desta questão, para o inconsciente, para o aparelho emocional, a rejeição é de uma violência fervorosa. Ainda mais a rejeição de um pai por um filho, ainda mais uma rejeição tão violenta vivida na infância. É preciso muita força psíquica para sobreviver e fazer valer a vida após uma rejeição dessas.

 

Um filme maravilhoso com excelentes atores e direção exemplar. Cyril consegue transmitir a negação da rejeição, depois o horror de ter de se deparar com o fato. Então, passa pela sensação de que nada vale, pois o pior ele já passou... Cyril fica na dúvida de qual caminho seguir em sua vida, mas é tocado pelo forte posicionamento de Samantha... É preciso muita sensibilidade e talento para falar de tamanho horror. E o filme consegue! 

quinta-feira, 31 de maio de 2012

Eu, Tu, Eles



Por: Fabiana Ratti, psicanalista

Eu, Tu, Eles (2000), filme brasileiro de Andrucha Waddington, é um bom caminho para continuarmos discutindo a questão do casamento aberto.

Darlene (Regina Casé), Osias (Lima Duarte), Zezinho (Stenio Garcia) e Ciro (Luiz Carlos Vasconcelos) formam um quarteto amoroso... Sem perceber, um relacionamento começa, depois um primo vem morar em casa, então, o mais velho já está mais cansado, deixa mais um estranho entrar... uma vingança, um ciúmes... e assim vão vivendo... como quem não está percebendo, como quem não sabe de nada...

À primeira vista, o filme me pareceu impossível. Como um realismo fantástico. Depois, me pareceu muito mais real do que nos damos conta. O filme tem uma névoa inconsciente. Não ditos. Silêncios. Amor.Carinho. Trabalho. Há uma divisão de funções. Cada um entra com o custo que está disposto a pagar. Um tem a casa e não quer trabalhar. Darlene trabalha forte na ‘roça’. O outro cozinha. O outro está de passagem.

Tem uma perda e tem um ganho. Muitas e muitas pessoas começam a ver o que está acontecendo, perceber que o cônjuge demora para chegar, passa uma noite fora, um final de semana e deixa essa névoa no ar. A interrogação fica e ninguém toca no assunto. Para fazer a fixa limpa, há um custo. O cônjuge pode pedir em troca algo que a pessoa não está disposta a pagar.

O filme mostra como Darlene dava duro no trabalho diário, Osias estaria disposto a ouvir da mulher as queixas e reclamações dela? Estaria disposto a por a mão na massa para, com isso, enfrentar e tirar o primo do páreo? Por outro lado, Darlene estaria disposta a enfrentar e construir uma nova vida com Ciro? Com os filhos e pagar todos os custos de um casamento a dois? As perguntas podem continuar...

E, são essas as mesmas interrogações que podemos fazer para certas situações de ‘névoa inconsciente’, esses não ditos pairando no ar é responsabilidade apenas de um? Um é o vilão e outro é o bandido?

Miller, psicanalista lacaniano desenvolveu o conceito de parceiro-sintoma. Ou seja, em determinados casos, existe uma parceira sintomática: um não quer ver e o outro não quer falar. Há um acordo tácito, implícito... por incrível que pareça, há perdas, mas há ganhos secundários... E que Andrucha, com seus excelentes atores conseguiram admiravelmente explicitar em uma obra de arte. 

sábado, 26 de maio de 2012

Frida



Por: Fabiana Ratti, psicanalista


De vida curta, porém tempestuosa, a artista plástica mexicana Frida Khalo (1907-1954) tornou-se um grande nome com sua pintura surrealista.

O filme americano Frida (2002), dirigido por Julie Taymor e interpretado por Salma Hayek, mostra um bom retrato da biografia de uma menina que passou muitos sofrimentos na infância. Com acidentes e graves doenças, aos 18 anos teve um acidente quase que fatal num bonde, fazendo com que ficasse por meses sem poder sair da cama. Com o tempo passado na cama, começa a desenvolver a pintura, uma forma de expressão que foi ganhando seu coração e o do público. 

Frida Khalo é uma personalidade. Com talento e ousadia, conquistou seu espaço no meio artístico. No amor, teve um casamento aberto com Diego Rivera (Alfred Molina), também artista plástico e namorador.

Como é preciso escolher um tema no filme para a discussão, escolho a questão do casamento aberto. Muitos dizem que o natural do ser humano é a poligamia. Sim. Freud mesmo diz que o ‘inconsciente é assexuado’. O inconsciente é regido por outras leis, diferente do racional. Para o inconsciente não existe tempo ou espaço. Tudo pode. Tudo é permitido. Haja vista o sonho... quantos símbolos, imagens e emoções misturados? O sonho é um raio X do inconsciente. Ou seja, o natural é a poligamia.

Porém, quem diz que o ser humano é um ser absolutamente natural? O ser humano vive em sociedade. É o único ser dotado de razão. Para tanto, tem alguns privilégios mas também paga um preço por isso... e o preço da civilização é o ingresso no mundo das leis, das regras: não matar, não roubar, olhar dos dois lado para atravessar a rua, etc.

Ou seja, para viver ao lado de uma pessoa, também é preciso incluir as regras. Para conviver com o outro, as pessoas discutem desde pasta de dentes e uso de shampoo até as regras de comportamento , que, num casamento, na maioria das vezes, no mundo ocidental, inclui a monogamia.

Toda esta discussão para dizer que o filme Frida retrata uma guerra. Uma guerra dolorosa e sangrenta entre Diego Rivera e Frida Khalo. Tudo era permitido no relacionamento, eram liberais. Porém, Frida Khalo fica decepcionadíssima, um golpe profundo quando descobre que Diego dormia com sua irmã.

Por que a surpresa? Não era liberal? Ah, mas isso não podia. Por que não? Se não existem regras... tudo é permitido. Tudo. E precisa estar disposto às conseqüências quando se faz este pacto. Como já discutimos com os ‘Irmão Karamasov’: se Deus não existe, tudo é permitido. Se não existe algo, uma lei maior que rege o relacionamento, tudo passa a ser permitido. (na monogamia ou na poligamia é preciso incluir as regras). A questão é que a pessoa, quando exclui as regras, deixa a face humana (racional e emocional) e cai na vida animal: sexo e agressividade. Era o que rolava com o casal. Uma evidência da importância das regras no mundo da civilização... se não, nos tornamos quase animais. 

Uma tristeza as seqüelas emocionais e o desamparo que se abatia em Frida Khalo com os golpes no relacionamento. Um preço muito alto por uma falsa ilusão de liberdade...

sábado, 19 de maio de 2012

Non, Je Ne Regrette Rien - Édith Piaf



Por: Fabiana Ratti, psicanalista 
Vamos falar hoje de uma música. Uma maravilhosa música de Édith Piaf (1915-1963), intitulada Non, Je ne regrette Rien, não, não lamento nada, não me arrependo de nada... Uma letra que entoa o adeus ao passado. Uma história de amor que, a partir desse amor, tudo estará pago, esquecido e varrido (C'est payé, balayé, oublié), Não me importo com o passado (Je me fous du passé!), eu parto do zero (Je repars à zero) diz ela.

As canções de Édith Piaf  retratam fases e marcas de sua vida, de sua sofrida e batalhadora história de vida. Assim como Édith Piaf enfatiza esse momento de emoção de deixar o passado e partir do zero, esquecer os sofrimentos e as angústias e partir para uma nova vida, é um tema muito recorrente nas análises pessoais.

E, para ser psicanalista, é preciso realmente crer nas mudanças. O trabalho da análise é para que a pessoa saia do ‘automatismo de repetição’ como diz Freud, que a pessoa saia do redemoinho de repetições, de sentimentos e ações que martelam e insistentemente se repetem acompanhadas de mágoas e lembranças do passado e, muitas vezes, impossibilitam as ações do futuro.

Porém, não é uma tarefa fácil! O passado marca o sujeito, o afeta, traz conseqüências, muitas vezes, irrevogáveis... O sujeito é uma soma de seu presente, seu passado e de projetos futuros. O que é possível é saber lidar de forma a somar, a prosperar e a construir a partir do passado, sem ficar se martirizando e se consumindo. Ou seja, não cair no ‘automatismo de repetição’ remoendo o passado e, fazer novas escolhas de maneira a mudar a direção da vida, porém, é preciso esforço, dedicação e investimento. Desta forma, não sei se é possível um corte, uma ruptura... que de um dia para o outro, de uma hora para a outra, tudo seja esquecido e ultrapassado... mesmo com um novo amor... pois, o inconsciente insiste em se repetir... é uma de suas características mais fortes, e temos de saber lidar com ela e não sucumbir a ela. 


Non, Je Ne Regrette Rien
Édith Piaf 

Non... rien de rien...
Non... je ne regrette rien
Ni le bien qu'on ma fait,
Ni le mal - tout ça m'est bien égal!
Non... rien de rien...
Non... je ne regrette rien
C'est payé, balayé, oublié,
Je me fous du passé!
Avec mes souvenirs
J'ai allumé le feu,
Mes chagrins, mes plaisirs,
Je n'ai plus besoin d'eux!
Balayé les amours
Avec leurs trémolos
Balayés pour toujours
Je repars à zéro...
Non... rien de rien...
Non... je ne regrette rien
Ni le bien qu'on ma fait,
Ni le mal - tout ça m'est bien égal!
Non... rien de rien...
Non... je ne regrette rien
Car ma vie, car mes joies,
Aujourd'hui, ça commence avec toi!