segunda-feira, 25 de junho de 2012

Shame





Por: Fabiana Ratti, psicanalista
 
Brandon (Michael Fassbender), um solitário que vive em Nova York, é acompanhado apenas pelas Variações Goldberg, um conjunto de variações para cravo, compostas por Johann Sebastian Bach, que tocam ao longo do filme. A obra é considerada um dos mais importantes exemplos da forma variação.

Brandon também apresenta muitas variações em sua sexualidade. São mulheres de uma noite apenas, prostitutas, encontros casuais, masturbações, internet, revistas, suruba, homens, etc. Toda a modalidade de satisfação momentânea via o gozo sexual é empreendida. E não há uma saciação. Brandon sempre sai em busca de mais e mais.

O filme tem pouco diálogo. Nem mesmo um amigo Brandon parece ter. As relações são gélidas e fugazes. Apenas Bach para aquecer um pouco o ambiente demonstrando que há uma certa sensibilidade, um ser humano por ali.

Sua rotina levada numa pequena margem de variações fica abalada com a chegada de sua irmã (Carev Mulligan), também solitária, mas com sintomas opostos: carência e melodrama exacerbados. Os atores são talentosos demonstrando a insatisfação na ânsia de viver e o confronto de dois irmãos dividirem o mesmo espaço e emoções no cotidiano de Nova York.

E fica a pergunta: Brandon abandonará esse vício? Mudará de vida?

É realmente uma bela questão que o filme não ousa responder caindo na pieguice do final feliz. Como psicanalista, difícil pensar que é um vício fácil de ser deixado. É preciso muita força de vontade. Assim como o álcool, as drogas, o jogo, o sexo como vício, também vai num crescente que formas anteriores passam a não fazer mais efeito, não ter mais graça, e o indivíduo procura mais e mais...

Existem algumas pessoas que usufruem do vício para fazer laços sociais. Se aproximar das pessoas, desinibir, falar com o grupo, etc. Brandon mostra o lado mais negro do vício, o rompimento dos laços sociais e o prazer solitário. Qual força o faria largar? O que o faria abandonar seu vício e voltar a se conectar com o mundo?

De forma bem inteligente o diretor inglês Steve Mcqueen deixa essa pergunta no ar, não retratando apenas a vida de Brandon, mas a de muitos solitários que transitam pelas grandes metrópoles do século XXI.

quinta-feira, 14 de junho de 2012

O Garoto da Bicicleta

 

Por: Fabiana Ratti, psicanalista

 

O Garoto da bicicleta (2011) é mais um filme interessante dos irmãos Luc e Jean-Pierre Dardenne. Mais uma vez eles discutem a rejeição, sobretudo a rejeição do pai pelo filho. Em A Criança, filme de 2005, Jérémie Rénier é um jovem delinqüente de 20 anos e um pai que vende seu filho recém nascido. Ao se deparar com a mãe inconformada, dá imediatamente a solução: “Não se preocupe, fazemos outro.”

 

Em O Garoto da bicicleta, Jérémie Rénier, ator belga, sempre em excelente atuação, deixa seu filho Cyril (Thomas Doret), de 12 anos em um orfanato. O filme mostra, com muito humanismo, o sofrimento de uma criança rejeitada, as dificuldades em uma instituição e as novas possibilidades de amor e de relacionamento em um lar e nas ruas.

 

Samantha (Cécile de France) conhece Cyril de uma forma inusitada e começa a se aproximar do garoto, abrindo espaço para uma nova vida, para ele e para ela.

 

A rejeição é um ponto frequentemente trazido às sessões de análise. Todo ser humano, de uma forma ou de outra, já se sentiu rejeitado. Desde situações trágicas, como a apontada no filme, como em situações de bulling com os colegas, ou por questões sócio-econômicas e culturais. Existe a rejeição freqüente, de todos os dias e existe a rejeição esporádica. Também existe a sensação de rejeição, quem nunca se sentiu como Álvaro de Campos diz em A Tabacaria?  

 

Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,

 

Logicamente, vivendo em sociedade, sabemos que nem sempre somos aceitos, que nem sempre nos convidam ou nos querem na brincadeira. Porém, mesmo racionalmente cientes desta questão, para o inconsciente, para o aparelho emocional, a rejeição é de uma violência fervorosa. Ainda mais a rejeição de um pai por um filho, ainda mais uma rejeição tão violenta vivida na infância. É preciso muita força psíquica para sobreviver e fazer valer a vida após uma rejeição dessas.

 

Um filme maravilhoso com excelentes atores e direção exemplar. Cyril consegue transmitir a negação da rejeição, depois o horror de ter de se deparar com o fato. Então, passa pela sensação de que nada vale, pois o pior ele já passou... Cyril fica na dúvida de qual caminho seguir em sua vida, mas é tocado pelo forte posicionamento de Samantha... É preciso muita sensibilidade e talento para falar de tamanho horror. E o filme consegue!