segunda-feira, 26 de agosto de 2013

O lado bom da vida

Por: Fabiana Ratti, psicanalista 

Depois de um pouco de política, após algumas manifestações que pararam o Brasil, voltamos aqui para a psicanálise. O Lado bom da vida (2012) de David O. Russell é um prato cheio para a discussão. O filme é realmente bom, com excelentes interpretações de Tiffany (Jennifer Lawrence), de Pat Solatano (Bradley Cooper) e dos pais Robert de Niro e Jaki Weaver. Estão todos ótimos.

 Pat Solatano é um dos casos psiquiátricos típicos. Com um pensamento desconexo, destrói e arruma confusão com o quem está a sua volta. Perde a noção de ´realidade´, se é dia ou noite, fala coisas desbaratadas sem medir as consequências. Pat chega a ser internado em Sanatório pois perdeu as capacidades de trabalho, a esposa e a casa. A mãe tira-o da internação mas Pat é rebelde. Não toma remédio, trata com descaso sua doença, tenta nega-la, como muitos em sua condição. Tem a ideia fixa em voltar com a esposa, mas não se esforça em retomar suas atividades.

O filme é bem interessante. Mostra como a família tem dificuldade em saber como lidar com um filho que passa por problemas psiquiátricos. Marca o quanto os pais querem dar amor, como ficam tristes e desesperançosos, angustiados por uma solução que eles duvidam que algum dia chegue. Também mostra as ‘esquisitices normais’ de uma família e a dificuldade em saber o que liberar ou exigir de um filho nessas condições. 

Um dia, Pat é apresentado a Tiffany, uma moça que também tem seus problemas. Porém, Tiffany é insistente. Aproxima-se de Pat e usa todos os recursos para que ele participe de um concurso de dança. Com o tempo, a energia psíquica de Pat passa a se dirigir para esse novo projeto de vida. Então, começa a tomar o remédio, a ser pontual nos ensaios, a não falar tantas bobagens ou magoar quem está próximo. Dedica-se ao tratamento medicamentoso e psíquico, que ele passa a frequentar e falar com mais desenvoltura. A energia psíquica passa a ser canalizada para um projeto, para uma pessoa. Segundo Lacan, isso ajuda a estabilizar o sujeito.

Tiffany, além de ter de insistir e manobrar Pat, também precisa administrar a família dele, e, na cena em que isso acontece, é hilário. Toda a família, apaixonada por  futebol americano, se reúne, bebe e torce junto. Tiffany percebe que o pai ‘puxa’ o filho para ficar perto de si não o liberando para os ensaios. Ela, perseverante, estuda e raciocina a melhor forma de ganhar a família, e portanto, ficar com Pat por mais tempo. Então, saca do bolso uma frase, mais ou menos assim para o pai: Você nunca reparou que seu time vai muito melhor quando seu filho está comigo? E elenca os jogos e suas respectivas pontuações. Nesse momento, ela ganha toda a família!

Lacan trabalha bastante, em seus últimos ensinos, a questão dos Nomes do Pai. É um termo para falar sobre as versões em que os pais se manifestam, as leis que os pais apresentam ao filho e o quanto isso afeta seu aparelho psíquico. O sujeito lê e compreende essa lei afetando sua vida. Após alguns anos de frustrações e internação, Pat estava fazendo investimentos psíquicos em projetos que o estavam agradando. Ele canalizou sua pulsão num viés que o levou a querer investir na vida. Com a autorização do pai, com uma lei paterna, com a aprovação da família, o filho pode deslanchar ainda mais. É bem interessante como o filme mostra essa virada de posição. Essa guinada. De uma pessoa perdida e desgovernada psiquicamente, ela própria, por leis internas de seu desejo e com a participação da família e da amiga, pode fazer uma guinada em sua vida. De um sujeito fora da lei, off Broadway, ele passou a se inserir em seu meio, via sua própria versão de inserção. Vale a pena ver como ele fez isso e como todos se posicionaram para tal.  

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Dave – presidente por um dia




Por: Fabiana Ratti, psicanalista 

Dave - Presidente por um dia (1993) é daqueles filmes que gostaríamos que fosse realidade. O roteiro é bem original, apesar de não haver muita verossimilhança, é isso que deixa o filme mais divertido. Dave (Kevin Kline) é um cidadão animado que tem uma agência de empregos nos Estados Unidos e adora ajudar os amigos. Leva uma vida pacata sem grandes aventuras financeiras ou afetivas. Um dia, o serviço secreto o procura, pois ele é um sósia perfeito do Presidente dos EUA - Bill Mitchell (Kevin Kline). O presidente irá para uma reunião íntima com a secretária e precisa de um sósia para aparecer em um evento, Dave é convocado.

Dave é orientado a seguir o protocolo do presidente, acha tudo aquilo muito estranho, mas lhe é imposta a tarefa. Ele a executa com alegria e despojamento. Diverte-se por estar em um lugar inusitado, com tantos requintes, diferente de seu mundo. Porém, o script não sai conforme o esperado. O presidente passa mal em seu encontro com a secretária e precisa ser internado. Ao invés de chamarem o vice-presidente, Dave assume o cargo sem que a população saiba, por artimanha dos homens de ‘confiança’ do presidente. 

Bill, o presidente, fica internado em uma ala escondido do público e da própria Casa Branca. Ou seja, o roteiro um pouco a ser questionado, porém, a partir daí, Dave assume e o filme deslancha. A princípio, toma a atitude passiva que havia assumido no começo e é comandado pelos homens de confiança do governo, com o tempo, Dave vai se dando conta da sua responsabilidade, do absurdo da situação e encarna realmente um presidente, um presidente cidadão. Que não precisa fazer conchavos, que não tem nada a perder, que pode falar e fazer o que pensa e realiza o que muitos cidadãos desejam – um governo mais justo e honesto.

Dave podia estar no Brasil. Em pleno mês de manifestações exaustivas em que o povo pede mais justiça e reorganização do investimento em setores como saúde, educação e transporte, ele podia fazer uma aparição por aqui. Entre algumas manobras que ele consegue fazer, em uma simples reunião: enxuga o orçamento de propaganda do governo, pára de pagar empreiteiras que não estão fazendo nada e reinveste o dinheiro em áreas que são realmente necessárias. Uma reunião que todo o povo brasileiro espera que um dia aconteça!

Dave - Presidente por um dia é uma filme divertido. Aparecem alguns personagens em suas próprias funções, como Arnold Schwarznegger; tem um pouco de romance; mas, sobretudo, mostra que seria possível. Seria possível um governo mais honesto que priorizasse a população em detrimento de narcisismos pessoais e egóicos. É um filme catártico. Dave fala e faz o que muitos de nós gostaríamos de ouvir e perceber os resultados na prática. Vale a pena assistir a esse filme singelo.