quinta-feira, 23 de março de 2017

O Lar das crianças peculiares



Por: Fabiana Ratti, psicanalista 

O Lar das crianças peculiares de Tim Burton (2016) revolucionou a minha casa. Minhas filhas de 7 e 9 anos amaram o filme! Inspirado em livros de Ransom Riggs, o filme conta a estória de um lar, coordenado por Miss Peregrine, onde ficam crianças peculiares. Cada criança tem uma estranheza e paradoxalmente uma habilidade. Uma consegue fazer fogo com as mãos, a outra levita no ar, uma engole abelhas, a outra consegue fazer crescer uma raiz no mesmo minuto. Elas vivem numa fenda temporal, ou seja, ficam presas num tempo específico da história e fogem dos etéreos, monstros que perseguem os peculiares.

Em casa, compramos todos os livros e lemos juntos imaginando com qual peculiaridade seria mais divertido ou mais difícil conviver. O livro também é maravilhoso. Foge dos contos de fadas previsíveis onde os mocinhos bonitos sempre terminam com as princesas, sem muitas vezes terem feito algo para isso. Foge do final feliz garantido e do maniqueísmo. O livro conta situações inusitadas, fala de personagens esféricos, tem um ótimo vocabulário e nos convoca a usar a imaginação. Excelente leitura!

Por um lado, tanto o filme como o livro nos provocam uma sensação de estranheza, como sendo algo muito distante de nós, por outro lado, Riggs está falando de todos nós. Cada qual tem sua estranheza, todos cometemos erros e temos hábitos que podem parecer bizarros aos olhos dos outros. Assim como temos habilidades ímpares e que se nos reunimos numa sociedade, cada qual tem a sua função, como no Lar da Sta. Peregrine.

Porém, como psicanalista, preciso lembrar aqui também a questão da inserção da criança especial na sociedade. O livro e o filme nos fazem pensar nas crianças que são realmente vistas como diferentes: crianças diagnosticadas com autismo, psicose, síndrome de down, PC paralisia cerebral, surdos, cegos, etc. Crianças que são obrigadas a viver em uma fenda temporal pois, por suas peculiaridades, não são integradas na sociedade e precisam viver em lares onde ficam todos confinados e convivendo apenas com outros peculiares, porque os ´normais´ não sabem conviver com os peculiares. Todos os peculiares têm uma solidão intrínseca a eles, uma dificuldade de convívio e aceitação na sociedade. O que tem de bonito no filme é que ele mostra quanta capacidade e beleza existe nessas crianças especiais.

No livro de contos de Riggs tem um que particularmente me chamou atenção, fala sobre o menino gafanhoto. É um conto fantástico que parece absurdo, mas me fez pensar sobre a criança autista que tem algumas particularidades e dessa forma, causa tanto horror nos pais. No conto, perante o horror do pai, a criança só vai se deformando e se afastando de maneira kafkaniana. Num segundo momento, o conto narra sobre a reflexão do pai e como é para um pai aceitar as características e as diferenças do filho, como é ter um filho que não corresponde ao que o pai esperava. O pai também passa por uma transformação, porém, de forma mais subjetiva. Num último momento, através do amor e da verdadeira aceitação da peculiaridade do filho pelo pai, o filho consegue voltar a ser ser humano e se integra na família.


Bela estória de amor e superação que todos nós, como pais, passamos, pois precisamos nos metamorfosear se desejamos ter filhos de carne e osso. Diversão e reflexão garantida para toda a família!    

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