segunda-feira, 24 de abril de 2017

13 baleias azuis




Duas coisas têm colocado o tema do suicídio em debate: a discussão sobre o jogo baleia azul e a série 13 reasons why, traduzido em português para Os 13 Porquês (trailer no youtube). Resumidamente, o primeiro se trata de uma suposta dinâmica que acontece em grupos de whatsapp ou facebook onde os curadores colocam 50 desafios para os jogadores, na sua maioria jovens adolescentes mas não apenas. Esses desafios vão desde cortar a própria pele desenhando uma baleia – animal que dá o nome ao jogo – até o suicídio, que seria o desafio final. Já a série, disponível no Netflix, retrata o suicídio de uma jovem no ensino médio e conta, em 13 capítulos, as causas que a levam a se matar, sendo que cada uma das causas corresponde a uma pessoa do seu ciclo de convivência.

Além do forte debate em torno do tema, há uma polêmica em relação à responsabilidade da indústria cinematográfica em veicular conteúdos que retratem o suicídio de maneira tão fidedigna, como no último capítulo de 13 reasons why (atenção: spoiler!) quando a protagonista se suicida em uma cena que é quase um tutorial de como se matar. Isso porque vários estudos comprovam que noticiar um suicídio ou representá-lo, ainda que ficcionalmente, pode ter um efeito contagioso e levar um número de pessoas a se suicidarem. Esse fenômeno pode ser chamado de Efeito Werther, termo que faz referência ao personagem do livro “Sofrimentos do Jovem Werther”, escrito por Goethe e publicado em 1774. O personagem, que se mata no final na trama, teria influenciado jovens leitores da época e causado uma onda de suicídios na Alemanha. Não teremos como saber se de fato isso aconteceu uma vez que os registros da época não são precisos e há diferentes opiniões sobre o assunto, mas fato é que o personagem passou a dar nome ao efeito contagioso do suicídio. Por ser um assunto delicado, por trazer constrangimento às famílias e para evitar o contágio, a mídia costuma não fazer muitas reportagens a respeito, com exceção de momento como esses, quase que epidêmicos.

Questionados sobre a possibilidade de que a série induzisse jovens ao suicídio, os autores e produtores de 13 reasons why respondem que a ideia era mostrar da forma mais fiel possível o ato de terminar com a própria vida, para fazer com que fosse desagradável assistir e assim passar a mensagem de que esta nunca deveria ser uma opção.

            Não conseguimos perceber de que maneira representar um suicídio de forma tão explícita possa passar essa mensagem. Mesmo porque, Freud em Psicologia de grupo e análise do eu de 1921 cita Hitler e explica o fenômeno de massas que dominou o mundo Europeu no século passado. Freud é bastante enfático ao colocar a identificação com um líder, um laço emocional com uma pessoa forte que comanda, como responsável por cegar nações,  governar povos e levar pessoas a compactuarem com o assassinato em massa. Freud diz que ter alguém firme para liderar um grupo que no momento estava frágil pela questão das guerras, traz um norte para a nação, leva confiança às pessoas a ponto de cegá-las chegando ao cúmulo de compactuarem que matar um determinado grupo de pessoas do mesmo credo pode ser natural.

Podemos utilizar esse mesmo argumento para explicar o que está sendo falado do  fenômeno “Baleia Azul”. Ao que parece, existe um líder forte e determinado indicando uma direção a seguir. Por outro lado, adolescentes frágeis, isolados e angustiados com questões existenciais.

Sim. Assim como Hitler, o grupo, se existe mesmo, deve ser desmontado e seus líderes responsabilizados. Tanto o jogo quanto o seriado puxam a identificação para si e incitam o impulso de destruição e abrem as comportas para a pulsão de morte de maneira irresponsável e destrutiva. Porém, também abrem uma discussão que agora é irreversível, é preciso falar mais sobre depressão, melancolia e suicídio. É preciso incluir o aparelho psíquico na vida das pessoas.

Além disso, a série tem recebido críticas do mundo inteiro, pois a personagem que é suicida tem dificuldade de contar sobre sua intenção de se matar, e quando o faz não é escutada e tão pouco cogita-se a possibilidade de que ela esteja em sofrimento psíquico e precise de tratamento psicanalítico ou psiquiátrico. Sim, a forma como ela age é muito verídica e corresponde a vários casos de suicídio, mas se a intenção da série é orientar pessoas que estejam nessa situação, o roteiro deveria incluir esse tipo de encaminhamento como forma de sugestão e auxílio. Em resposta a esse tipo de crítica disponibilizou-se um pequeno documentário chamado 13 reasons why: tentando entender os porquês, também no Netflix, onde os autores, produtores e outros envolvidos no seriado falam sobre o tema. Neste estão presentes mensagens como “conte para um amigo, fale com alguém anonimamente, peça ajuda”. Há inclusive uma mensagem no rodapé da tela que diz “precisa de ajuda agora? Acesse 13 reasonswhy.info”. Nesse site o internauta coloca seu país e cidade de origem e é encaminhado para um serviço de atendimento ao suicida, no caso do Brasil o CVV, cuja procura cresceu muito desde que a série foi lançada.

De fato a procura por ajuda cresceu, mas será que isso justifica os inesperados efeitos prejudiciais que a série pode ter em pessoas que estejam numa situação mais frágil? Afinal, o ato não só é representado de forma absolutamente explícita como há uma ambiguidade na narrativa que pode levar à interpretação de que o suicídio é uma ação justificável e de responsabilidade das pessoas ao redor da vítima. Além disso, existem outras formas de quebrar  o silêncio em torno do tema sem criar conteúdos altamente lucrativos que ignoram estudos sobre o efeito contagioso de representações do suicídio. É o caso da iniciativa heads together, cujo último vídeo é um diálogo do príncipe William com Lady Gaga acerca de saúde mental onde eles conversam sobre como é importante falar do sofrimento psíquico e como não há vergonha nisso. O tabu é quebrado sem sensacionalismo.

O Prof. Dr. Arnaldo Liechtenstein da Medicina da USP tem ido a rádios e TVs discutir o assunto e nos faz refletir sobre a relação entre pais e os filhos desta geração. O Professor ressalta a distância que há entre eles. A rotina de trabalho muito puxada, crianças sendo criadas por babás, jogos eletrônicos que não estimulam a relação com os pais e o laço social entre os amigos.

As crianças e os adolescentes precisam de acompanhamento e monitoramento constante por parte dos adultos. Como sabemos, os adolescentes costumam usar as mesmas roupas, o mesmo corte de cabelo e as mesmas gírias, começam a ter comportamentos semelhantes ficando evidente que a identificação entre eles é muito rápida, deixando-os bastante vulneráveis. Desta forma, enfatizamos a importância do diálogo em casa e a mediação dos adultos para todos os tipos de assuntos, principalmente quando o conteúdo se refere à noção de vida e morte. Porém, os pais relatam a dificuldade em se aproximar de seus filhos.

O sucesso da série e a forte discussão sobre o jogo refletem o quão presente o tema está na nossa sociedade e, consequentemente, o quão urgente é reconhecermos que há um sujeito em sofrimento, e que o mesmo precisa ser cuidado. Esperemos que o debate acerca de produções cinematográficas como 13 reasons why e de debates sobre jogos como o baleia azul resultem em uma maior conscientização sobre a importância de respeitar e acolher aqueles com quem se convive. Contrariamente ao reconhecimento do suicídio como uma maneira válida de encaminhar sofrimentos psíquicos,  o que pode ser um efeito involuntário de tal tematização, aponte para a necessidade de cuidado com a saúde mental individual e coletiva, para o cuidado com a relação entre pais e filhos e do adolescente com outros adultos de referência, e ainda, que isso tudo leve a uma maior procura por tratamentos por parte daqueles que se encontram em sofrimento psíquico.

Escrito por:
Ligia Ungaretti Jesus, psicanalista
Fabiana Ratti, psicanalista
Paula Prates, psicanalista